O PÁGINA UM começará hoje a publicar crónicas semanais de Clara Pinto Correia. Grande parte da população portuguesa conhece esta mulher nascida em 1960, que se notabilizou não apenas na Ciência – sobretudo na investigação no domínio da Embriologia no Instituto Gulbenkian de Ciências e em universidades norte-americanas (Buffalo e Harvard) – como na Literatura.
Foi também, durante mais de uma década, presença assídua na comunicação social, passando pelo O Jornal, o Diário de Notícias e a revista Visão, que terminou, de forma abrupta e polémica, em 2003.
Já passaram quase 20 anos, portanto.
Duas décadas se passaram, muitas explicações se deram então (e a própria Clara as deu), e uma “coisa” (não aprecio muito este termo, mas enfim…) me parece evidente: Portugal não pode jamais ostracizar em definitivo os melhores de entre si como se todos aqueles que decretam o “édito de expulsão” na concha da ostra (ostracismo deriva daqui), como faziam os gregos, fossem perfeitos, puros, imaculados de pecado e defeitos.
E sei também que a Clara Pinto Correia, com a sua colaboração no PÁGINA UM – inicialmente semanal; veremos o futuro –, contribuirá, com o seu olhar amadurecido mas simultaneamente jovial, para que (nos) observemos melhor, com outros ângulos, talvez com maior empatia.
Empatia, antes da simpatia, é aquilo que como director do PÁGINA UM peço a todos os nossos leitores – aqueles que nos seguem e apoiam desde o início deste projecto editorial. E, sobretudo, desfrutem dos escritos da Clara Pinto Correia.
A Deriva dos Continentes “renasce” hoje no PÁGINA UM. E isso só, só isso mesmo, deve ser motivo para o nosso contentamento. O resto é supérfluo.
Pedro Almeida Vieira
Razões de um regresso
Já nem sei quando é que comecei a fazer crónicas, mas, pelo menos, em 1989 já mandava todas as semanas, de Buffalo para O JORNAL, por uma novidade muito fina que era o fax, uma série de dois anos chamada THE BIG EASY, sobre o quotidiano na América profunda.
Depois escrevi outra série para a revista de O JORNAL, depois passei anos a escrever ao domingo para o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, depois passei outros tantos anos a escrever para a VISÃO… até que, em 2003, enquanto eu estava nos Estados Unidos a concluir um projecto de investigação de prazo apertado, creio que é do conhecimento comum que a populaça me foi cortando os braços, as pernas, a cabeça, numa grande animação de linchamento na praça pública[1], ao mesmo tempo que fazia chorar muito os meus filhinhos que tinham ficado em casa sem mim.
Agora os matulões vão nos trinta anos e já me encheram de netos, pelo que temos a certeza de que mais ninguém vai chorar por minha causa[2].
Espera-se, portanto, que vos diga que é bom estar de volta?
Então, mas e eu é que sei?
Oiçam lá, como é que é? Já ninguém se lembra de que os caminhos do Senhor são insondáveis?
Bem, eu lembro-me… mas se calhar é tudo uma questão de defeito. Ou mesmo de feitio. Qu’ importe, como diria o outro…
Clara Pinto Correia
[1] – Às tantas, nessa altura, telefonou-me um dos meus melhores amigos, sem saber se havia de rir ou de chorar, a contar-me que nas notícias se debatia furiosamente o meu “plágio”, enquanto por baixo, em notas de rodapé muito pequeninas, passava um letreiro a dizer “explodiu o Space Shuttle”. Francamente, pessoal.
[2] – Agora a tendência deles é mais para suspirarem “Oh, Mãe…”