O PÁGINA UM fez um breve balanço da mortalidade do Verão de 2022: foi péssimo. O Verão de 2020 foi quase igual; o do ano passado pouco melhor. Nesta época do ano, a culpa pouco se pode dar à covid-19, mas as autoridades de Saúde não parecem preocupadas em saber os motivos da hecatombe. No triénio de 2020-2022, morreram no Verão mais de 10 mil pessoas face ao triénio anterior. Crianças com mais de 5 anos, adolescentes e jovens adultos com menos de 25 anos são os mais afectados. E, claro, os maiores de 85 anos.
Apesar das doenças letais (incluindo covid-19) terem causado, como habitualmente, uma maior mortalidade nos meses de Inverno, os últimos três Verões (2020, 2021 e 2022) foram muito mais mortíferos. Explicações oficiais só para o ano, na melhor das hipóteses, a considerar as previsões do Ministério da Saúde.
O recente Verão, que terminou às primeiras horas de ontem, confirmou aquilo que já se perspectivava: foi mesmo o mais funesto desde, pelo menos, 1980, aproximando-se dos 30 mil óbitos – valores que apenas se costumavam encontrar nos meses de Inverno.
Antes da pandemia, a mortalidade total no Verão raramente ultrapassava os 25 mil óbitos.
De acordo com os dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), analisados pelo PÁGINA UM, o Verão de 2022 terminou assim com 29.620 mortes (valores ainda provisórios), um recorde (garantido) desde 2009, ano em que se começaram a apresentar valores diários. Contudo, considerando os valores mensais a partir de 1980, este terá também sido, muito provavelmente, o período estival mais mortífero nas últimas quatro décadas.
A situação do Verão deste ano é particularmente preocupante, porque surge na sequência de um contínuo e atípico excesso de mortalidade na Primavera, da ordem dos 4.500 óbitos, um incremento de quase 17% face ao último quinquénio.
Desde Março não houve um só mês sem a mortalidade estar bem acima da média do último quinquénio. Setembro deste ano deverá apresentar valores próximos dos 9.000 óbitos, número também elevado para esta época do ano. O nono mês costuma ser o menos mortífero.
A evolução da mortalidade em Portugal, numa altura em que a covid-19 está claramente na fase endémica, vem confirmar o descontrolo absoluto da Saúde Pública desde a chegada do SARS-CoV-2. A “culpa” já nem pode ser atirada ao coronavírus.
E isso nota-se sobretudo nos períodos de menor actividade viral, no período estival. Embora o Verão de 2021 tenha registado valores pouco acima do “normal” (27.005 óbitos) – mas beneficiando muito por via do morticínio do Inverno anterior, que “eliminou” os mais vulneráveis –, o de 2020 também foi bastante letal (29.079 óbitos).
Dessa forma, os Verões de triénio 2020-2022 foram 13,8% mais mortíferos do que o triénio imediatamente anterior (2017-2019): o somatório mostra uma diferença superior a 10 mil mortes (85.704 vs. 75.286).
Porém, e talvez seja esse o aspecto mais preocupante, o acréscimo de mortalidade não atingiu por igual todas as faixas etárias.
Na verdade, até houve grupos etários que apresentaram uma forte redução, como foi o caso dos menores de 5 anos: no triénio de 2017-2019 tinham morrido 247 crianças desta faixa, enquanto no triénio de 2020-2022 se contabilizaram 184 mortes, ou seja, uma descida de 25,5%. A taxa de mortalidade infantil (menores de 1 ano) reduziu 27,6%.
Houve mais dois grupos etários com reduções, mas mais limitadas: adultos dos 35 aos 44 anos (-3,5%) e dos 45 aos 54 anos (-1,2%). Nos 25 aos 34 anos, o Verão do triénio da pandemia foi praticamente semelhante ao anterior (460 vs. 458).
No extremo oposto observam-se aumentos completamente atípicos nos Verões da pandemia. Em termos absolutos, o aumento maior verificou-se nos maiores de 85 anos, com um acréscimo de 6.682 óbitos nos três últimos períodos estivais.
O crescimento relativo foi de 22,5%, mesmo assim inferior ao que se contabilizou para os grupos das crianças dos 5 aos 14 anos (+23,8%) e dos adolescentes e jovens adultos dos 15 aos 24 anos (29,3%). Em termos absolutos, os aumentos foram de 15 óbitos no primeiro grupo (63, no triénio de 2017-2019, contra 78, no triénio) e de 70 no segundo grupo (239 contra 309).