As crianças foram as “grandes vítimas” das medidas restritivas, adoptadas pelo Governo, no combate à pandemia, ao longo destes quase três anos. Medidas essas, implementadas sem base científica que as sustente, tiveram, têm e terão consequências inimagináveis no desenvolvimento psicossocial e emocional das crianças.
As máscaras, os confinamentos obrigatórios e a constante promoção do distanciamento físico, tiveram impacto nas relações sociais, interpessoais, afectando a população em geral e desencadeando novas aprendizagens “perigosas” na relação com o outro. Uma grande percentagem de crianças, na primeira infância viram-se privadas de um ambiente normal, securizante e saudável, propicio a um desenvolvimento psicossocial, emocional, afectivo, normal. Viram-se cercadas de medos…
As máscaras e o distanciamento físico são causa disso. As máscaras impedem-nos de ver o rosto, consequentemente, de ver a expressão das emoções, ler nos lábios a articulação e produção da linguagem. A psicologia da Gestalt defende que para compreender as partes é preciso compreender o todo. O que acontece quando uma criança que, no início da sua vida, está a conhecer o mundo à sua volta, desenvolvendo competências cognitivas e emocionais, fica privada de ver o rosto das pessoas à sua volta e distante de afectos?
Que consequências, em termos gerais, advirão destas privações? Não sabemos ainda. Para já, é possível observar atrasos em diversos aspectos do desenvolvimento infantil: atrasos na linguagem e na interacção social e relacional. Assim como alterações comportamentais, relatadas por pais, professores e pediatras: isolamento, problemas de sono, agitação, intolerância aos outros, aumento de agressividade e irritabilidade, entre outras coisas.
Os confinamentos privaram as crianças de estar com os seus pares, de brincar nos parques, de correr, de ir à escola, de ver e abraçar os avós. Rotinas essenciais para um crescimento saudável. Para além disso, os confinamentos validaram e potenciaram o medo/ ansiedade de um vírus, algo invisível que os podia matar, ou aos seus, ou ainda, serem culpados por transmitirem a alguém e causar o pior desfecho.
Esta introjecção da culpa, o medo paranóico da transmissão dos “assintomáticos”, o isolamento afectivo provocado pelo distanciamento, são indícios de um aumento de perturbações psiquiátricas e de um compromisso sério da saúde mental infantil (no geral da população, também, mas o enfoque aqui prende-se com uma análise do desenvolvimento infantil, no referido contexto).
O distanciamento físico traduziu-se num distanciamento afectivo. O afecto, o amor, as emoções são vitais para o ser humano. A relação humana tem alicerces construídos na interacção social, familiar, na troca de afectos (toque, beijo, abraços). As crianças precisam de afecto para um desenvolvimento saudável. Tudo isso ficou comprometido, com tal medida restritiva, ridiculamente validada, com setas e marcações definidas e rigorosamente medidas, em espaços públicos. Acatada, também por muitos, na dinâmica familiar.
Actividades virtuais, como jantares por videochamada, relações íntimas entre outras coisas, foram as soluções alternativas encontradas por organismos defensores da saúde mental. Promoveram-se novas aprendizagens ajustadas ao “novo normal”, à “nova realidade”. Que consequências terão no ser humano e essencialmente nas crianças, vivenciando uma realidade estranha como parte integrante do seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional?
Somente com a realização de estudos científicos fidedignos, alguns longitudinais, obteremos respostas a estas questões. Contudo, é possível observar, desde já, alterações comportamentais negativas, aumento de perturbações do foro psicopatológico (ansiedade, depressão, entre outras).
É urgente intervir. As crianças precisam de apoio psicológico, tendo em conta, a dura experiência pela qual passaram. Precisam de muito amor, compreensão e segurança, que promovam uma caminhada, pela vida, harmoniosa e feliz. Precisam de se sentir seguras num mundo que se encontra em transformações inesperadas, onde reina a incerteza, porém impera sempre a esperança de um futuro melhor.
Cláudia Leão Lopes é neuropsicóloga
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