A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) arquivou uma queixa contra o Programa da Cristina onde, numa emissão, em Junho de 2019, o comentador Hernâni Carvalho usou a expressão “filho da puta” em duas ocasiões, perante a passividade da apresentadora, Cristina Ferreira. O programa, emitido em directo e durante o dia, está abrangido por regras específicas para proteger públicos sensíveis, como as crianças e os adolescentes. Para o canal de TV do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes“.
Pode-se dizer “filho da puta” na televisão portuguesa sem qualquer risco de se sofrer uma sanção por parte do regulador dos media, mesmo que seja dito num programa emitido durante o dia, e visto por crianças e adolescentes.
O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu arquivar uma queixa contra o ‘Programa da Cristina’ na SIC, de 28 de junho de 2019, no qual o jornalista e comentador Hernâni Carvalho usou por duas vezes a expressão “filho da puta”.
O programa, emitido em directo e durante o dia, pertence “à categoria de entretenimento, e destinado a todos os públicos, sem restrições, constitui uma situação que apela necessariamente à avaliação da observância dos limites à liberdade de programação”, segundo a ERC. Está, por isso, abrangido por regras específicas que visam a proteção dos públicos mais sensíveis, em particular crianças e adolescentes.
O regulador demorou três anos e meio para proferir a decisão de arquivamento. A decisão foi tomada no dia 14 de Dezembro passado, mas divulgada apenas hoje no site do regulador.
Para a ERC, “a expressão não foi destinada a ninguém em particular, indivíduo ou grupo de pessoas, e constitui uma citação relacionada com uma pronúncia judicial”. O regulador considerou que “a expressão não é, assim, ofensiva, para efeitos da aplicação do normativo legal em causa”.
A ERC deliberou “arquivar a presente participação, por se considerar que a mera citação de uma expressão vernacular, no âmbito de um debate sobre um tema de interesse geral não pode, em si mesma, ser considerada ofensiva, nem atentatória dos direitos de outrem”.
Para o regulador, não houve qualquer violação dos critérios para avaliação do incumprimento do disposto nas regras criadas para proteger públicos sensíveis.
Para a estação de televisão do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode[ria] a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”.
Na base da deliberação, está uma queixa enviada à ERC no próprio dia da emissão do programa. O queixoso alegava que o comentador da rubrica Crónica Criminal, inserida no Programa da Cristina, disse em direto “filho da puta” e que “a autora do programa, Cristina Ferreira, nem reagiu e nem “apresentou um pedido de desculpas às audiências”.
O primeiro caso apresentado naquela emissão na rubrica dedicada a crimes debruçou-se sobre uma situação de violência doméstica. Hernâni Carvalho disse então que “ninguém é preso em Portugal por causa disso”, e que “até há uma procuradora que diz que chamar filho da puta a um agente da PSP não tem mal nenhum”, concluindo que “é um grito de revolta”.
Cristina Ferreira questionou então “como é que uma procuradora diz que alguém chamar nomes aos elementos da polícia, ou o que quer que seja, é apenas um ato de revolta”. Mais à frente no programa, Cristina Ferreira afirmou que “às vezes é preciso ter um bocadinho de cuidado com as frases que são ditas”. E Hernâni Carvalho retorquiu: “no meu tempo, quando eu cresci, disseram-me que não se chama filho da puta a ninguém, muito menos a um agente da autoridade”.
A SIC considerou, em resposta à queixa, que o uso daquela expressão não é negativa nem tem impacto nas crianças e jovens. “Apenas se poderia falar de efeitos negativos para a personalidade de crianças e jovens se a linguagem utilizada o fosse de forma a ofender ou atentar contra os direitos fundamentais de outrem ou se o calão fosse usado de forma frequente e descontextualizada ou gratuita”, o que, segundo a SIC, não sucedeu.
Os responsáveis do canal da Impresa sustentaram ainda que, “quando enquadradas no contexto e lógica da rubrica, as palavras de Hernâni Carvalho são antes de desincentivo à utilização de linguagem agressiva e de apelo ao respeito pela integridade moral de todos, incluindo e sublinhando a das figuras de autoridade”.
Defendeu ainda que a postura de Cristina Ferreira, na ocasião, se justificou, defendendo que apresentadora procedeu bem, pois “não interrompeu ou procurou silenciar o convidado, ao contrário do pretendido pelo queixoso”.
Mas a SIC reconheceu que “a televisão, no contexto social atual, pode e deve, como importante peça da vida pública, contribuir para uma sociedade mais digna, a que não são alheios – antes são fundamentais – o desenvolvimento da identidade e a formação do caráter dos mais jovens”.
E garantiu que “não deixará de retirar as devidas consequências desta situação, designadamente sensibilizando a produtora do programa para os cuidados a observar relativamente à utilização de linguagem mais agressiva”.