Anteontem, no parlamento, a audição na Comissão de Saúde relativa à petição para a realização de um referendo acerca da adesão de Portugal ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias. A autora e principal peticionária foi ouvida pelos deputados. Marta Gameiro, médica dentista e defensora activa da medicina baseada na evidência científica, foi acompanhada pela antiga deputada e psicóloga Joana Amaral Dias. A sessão foi manchada com um momento insólito, em que a deputada social-democrata Fernanda Velez, num tom jocoso, tentou denegrir a petição. Os deputados vão ter audições sobre o tema do Tratado em sede da subcomissão de saúde global. O Tratado Internacional de Pandemias tem estado envolto em controvérsia por ser visto como “um instrumento antidemocrático” que ameaça retirar aos países a soberania e poder de decisão na gestão de crises de saúde pública, como pandemias. O forte risco de interferência de interesses comerciais e políticos junto da Organização Mundial de Saúde é outro dos motivos apontados pelos críticos do Tratado. A petição vai ser votada no parlamento assim que for concluída a sua apreciação pela comissão de saúde.
Devem os portugueses decidir se Portugal adere ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS)? A decisão vai caber aos deputados, que irão votar o pedido de referendo lançado por uma petição assinada por 7.660 peticionários, quando a apreciação da iniciativa for concluída pela comissão de saúde no parlamento.
Na quinta-feira, foi ouvida em audição na comissão de saúde a autora da petição, a médica dentista e defensora da medicina baseada na evidência científica, Marta Gameiro, e ainda Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga, autora e activista, que também falou em nome dos peticionários.
O proposto Tratado Pandémico tem gerado uma forte polémica devido a alguns dos seus artigos. O Tratado será juridicamente vinculativo e visa, alegadamente, potencializar a capacidade de prevenção e resposta dos 194 países membros da OMS face a eventuais pandemias. Mas críticos da proposta alertam para os riscos de o acordo vir a constituir uma ameaça à democracia, pondo em causa a soberania de países em matéria de decisões na gestão de crises de saúde pública.
Por detrás de alguns receios, está o argumento de que a OMS está vulnerável a interferências por parte de grandes grupos e interesses privados e políticos, que poderia querer obter lucros ou reforços de poder através de decisões sobre saúde pública.
Os signatários da petição que está em apreciação na comissão de saúde temem que o acordo – que só será oficialmente conhecido em 2024 –, seja uma ameaça à soberania de Portugal para decidir autonomamente como reagir perante a eclosão de doenças contagiosas.
Os peticionários questionam a “legitimidade da OMS para interferir na gestão que os países fazem em matérias de saúde e levantam dúvidas quanto à organização, referindo que está dependente de doações privadas e corporações”, indicou Guilherme Almeida, deputado do PSD que é o relator da apreciação da petição e que presidiu à audição. Os peticionários contestam, sobretudo, as propostas daquela entidade para “alterar o regulamento sanitário internacional”.
Marta Gameiro, autora da petição, começou por esclarecer que “apoia fortemente” a OMS como “instituição necessária ao mundo”, mas considera que hoje são os interesses privados, por meio de burocratas não eleitos, que “ditam o rumo dos acontecimentos” dentro da organização.
A médica dentista exemplificou, referindo-se às organizações Welcome Trust e Bill & Melinda Gates Foundation, duas instituições que investem milhões de dólares em tratamentos para a covid-19. A médica afirmou ainda que a petição pretende ser um alerta sobre a forma como a saúde pública está a ser conduzida, através de “parcerias público-privadas, envolvendo empresas farmacêuticas e fundações privadas”.
Marta Gameiro salientou que o Tratado tornará obrigatórias as recomendações da OMS, permitindo-lhe “tomar decisões sem escrutínio público ou transparência”, e forçando todos os países-membro a alterarem as suas leis e perdendo soberania.
Joana Amaral Dias considerou alarmante as “portas giratórias imediatas de interesses privados de altas corporações monopolistas para altos cargos dirigentes da OMS” e rejeitou a “transposição de estados de emergência” que o Tratado possibilitaria, de forma “unilateral, arbitrária, e subordinada a interesses financeiros e não apenas à saúde pública”.
Para a activista e comentadora política, esta actuação é contrária aos interesses dos cidadãos e lesa os seus direitos, liberdades e garantias, frisando que o Tratado é um “instrumento antidemocrático”.
Na audição estavam presentes, além do relator, o deputado socialista Paulo Marques, a deputada Fernanda Velez, do PSD, e a deputada Rita Matias, do Chega.
Paulo Marques assumiu uma “divergência profunda” com as preocupações manifestadas na petição. defendeu que a pandemia de covid-19 “veio retratar a necessidade de haver este tipo de cooperação internacional, absolutamente necessária”, mostrando plena confiança na eficácia das medidas recomendadas pela OMS no combate à covid – como os confinamentos e a vacinação.
Mas o deputado socialista anunciou a intenção da comissão de ter no Parlamento “outros protagonistas para nos dar outro ponto de vista” sobre as mudanças que a OMS pretende fazer, e sobre a “necessidade de sujeitar a um referendo este tipo de matérias”. Assim, irão existir audições sobre o Tratado em sede da subcomissão de saúde global.
Na audição, o caricato surgiu com a intervenção da deputada social-democrata Fernanda Velez, que não escondeu o seu desprezo pela petição. A deputada afirmou que considera ser “demasiado pretensioso” pedir um referendo sobre a adesão de Portugal. Considerou o texto da petição “não muito claro” e “um pouco mal redigido”, com falhas gramaticais. E, num tom de escárnio, a deputada questionou se as signatárias tinham ouvidos “peritos na matéria” ou se se basearam em “pesquisas no Dr. Google”.
Joana Amaral Dias respondeu à letra à deputada social-democrata. “Não devia ter cabimento numa audiência deste tipo adjectivar as pessoas de pretensiosas, ou desqualificá-las dizendo que fazem pesquisas no Dr. Google”, criticou.
Lembrando que as medidas de saúde pública que a OMS quer impor aos países-membro, incluindo Portugal, “afectarão profundamente e estruturalmente” a vida dos portugueses, a activista defendeu a necessidade do referendo, já que a gestão da covid se fez com recurso a decisões declaradas inúmeras vezes como ilegais pelo Tribunal Constitucional.
Já perto do final da sessão, Joana Amaral Dias chegou a protagonizar um breve confronto com Fernanda Velez, devolvendo-lhe a acusação de pretensiosismo.
A psicóloga aproveitou para lembrar os deputados do caso suspeito da negociação da compra das vacinas contra a covid-19, feita por mensagens de telemóvel, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o CEO da Pfizer, Albert Bourla. Joana Amaral Dias recordou que o New York Times processou recentemente a União Europeia para a obrigar a dar acesso às mensagens de texto secretas.
No grupo de deputados, a última a ter a palavra foi Rita Matias, do Chega, que validou as objecções das peticionárias ao Tratado, contrastando com o que foi dito pelos restantes deputados. Defendeu que “é preciso distinguir: uma coisa é cooperação internacional, outra coisa é unidade e internacionalismo”.
A deputada considerou que é possível “questionar se ainda há isenção nas deliberações tomadas” pela OMS, devido ao financiamento de corporações privadas que investem na indústria farmacêutica e à “falta de transparência” sobre os contratos entre a Pfizer e a União Europeia, cujos únicos documentos disponíveis para consulta são de “páginas rasuradas”.
Rita Matias criticou também o governo e o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, por terem retirado do Portal Base informações relativas aos contratos de compras de vacinas contra a covid-19, aos quais, prosseguiu, “nunca conseguimos aceder plenamente” – algo que foi, aliás denunciado, em exclusivo, pelo PÁGINA UM.
A exposição na audição de Marta Gameiro – que em Outubro passado organizou em Fátima o Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias/Saúde, com a presença de vários peritos internacionais na área da saúde, – foi rematada defendendo que a crença na cooperação global “não significa que não possa questionar a conduta das organizações quando vê que se estão a desviar do seu objectivo original”.
A médica dentista destacou que as suas posições são consubstanciadas por diversos especialistas, que incluem antigos membros da OMS, como David Bell e Christian Perronne, a reputada geneticista Alexandra Henrion-Caude, e até mesmo ex-funcionários da Bill & Melinda Gates Foundation, como o virologista Geert Vanden Bossche.
A petição, que deu entrada na Assembleia da República no dia 2 de Novembro, será submetida a plenário e a votação.
Recentemente, os deputados votaram uma outra petição que apelava à vacinação em massa de crianças com as polémicas vacinas contra a covid-19, tendo Marta Gameiro também estado também no parlamento.