Na última semana, o Governo aprovou o Pacote Mais Habitação; segundo os promotores, visa procurar responder “de forma completa a todas as dimensões do problema da habitação”. Reparem que os fins são sempre nobres: é sempre para o nosso bem!
Surpreendente foram as reacções: (i) alguns, rasgaram as vestes, afirmando que era um ataque aos direitos constitucionais!; (ii) outros, rejubilaram com a intervenção estatal, absolutamente necessária para “libertar casas para arrendar”.
No primeiro caso, estranha-se a defesa intransigente da Constituição da República Portuguesa (CRP, artigo 62.º), quando durante três anos foi atropelada em nome do “bem comum”; mais, até se preparam para aprovar uma revisão constitucional ilegal (artigo 288.º), com o argumento de que a balança dos direitos continua equilibrada: tira-se um direito (à liberdade) e dá-se outro (à “saúde”), ficando tudo igual!
No segundo caso, o anúncio da nossa “libertação” provém de um dos órgãos de imprensa mais acérrimos na defesa das restrições decretadas pelo poder para combater a “pandemia”, em particular a inoculação de substâncias experimentais de manipulação genética em crianças. Agora, propõe “libertar-nos” daquilo que é nosso, em linha com o letreiro na entrada do famoso campo de concentração nazi: “o trabalho liberta”!
O socialismo sempre desejou “libertar-nos” do fruto do nosso trabalho, daquilo que é nosso, através da apropriação colectiva dos meios de produção. O seu objectivo foi criar uma utopia: “uma sociedade sem classes”.
Apenas teve um “problema”: em todas as sociedades que foi tentado, terminou sempre na mais abjecta miséria e tirania. Apesar disso, os seus promotores têm vindo a vencer no campo das ideias, em particular na educação pública e classe política; afinal, o socialismo só quer o nosso bem e é um “ideal nobre”!
Como se reflectiu essa vitória? Nos direitos sociais, crescentemente plasmados em todas as constituições do mundo ocidental. Fica sempre bem dar-se aquilo que não se tem, ou seja, roubar a uns, ficar com uma grande parte – clientela, funcionários, correligionários e amigos –, e distribuir umas migalhas por forma a assegurar votos através da dependência – o mendigo nunca morde a mão que lhe dá de comer.
A que direitos sociais me refiro? O direito à habitação, o direito à saúde, o direito ao emprego, por exemplo. Estes direitos impõem sobre os outros obrigações de carácter positivo, seja dar-me uma casa, dar-me um emprego, dar-me uma consulta médica.
Os direitos sociais referem-se sempre a bens económicos, ou seja, recursos escassos para a satisfação de uma necessidade humana (alojamento, fome, transporte), que possuem um preço de mercado. Por essa razão, o ar não tem preço: não é escasso, não é um bem económico.
Se eu tenho direito à saúde, significa que um médico terá de prestar-me uma consulta de graça. Se eu tenho direito a uma casa, é porque exijo que a construtora a faça aparecer sem custos, ou que um proprietário se “liberte” da sua a meu favor.
Na verdade, não são mais que direitos sem qualquer conteúdo, mas apenas boas intenções: todos devem ter um emprego, todos têm direito a uma habitação condigna, uma espécie de “Alice no País das Maravilhas”, onde habitam socialistas utópicos, desejosos do confisco do trabalho dos outros para sua glória.
Um tipo de direito completamente diferente são aqueles com um carácter negativo, como o direito à vida, por exemplo. Eu exijo que ninguém interfira na minha vida, que não me assassinem.
O direito à liberdade é outro destes direitos, ninguém deve impedir a minha livre deslocação.
O direito ao meu corpo: ninguém pode realizar um diagnóstico, um tratamento, uma cirurgia ou introduzir uma substância experimental no meu corpo sem o meu consentimento.
Ou o direito à privacidade: ninguém deve andar a “bisbilhotar” a minha correspondência, o que se passa na minha intimidade.
Podemos definir estes direitos como naturais, como é o caso do direito à propriedade. Eu peço que ninguém interfira com o investimento do meu aforro ou com aquilo que recebi dos meus pais, por outras palavras, peço para não ser assaltado ou confiscado e poder dispor do usufruto da forma que entender.
Este direito à propriedade deve compreender todas as dimensões: para além da protecção contra qualquer agressão (ocupação, roubo, confisco), devo poder definir o seu usufruto (habitação própria, segunda habitação, arrendamento) e o preço a que desejo que outro possa beneficiar desse usufruto – o preço do arrendamento.
O direito à propriedade foi um dos pilares da civilização ocidental, não foi um acaso a sua supremacia em vários campos: tecnologia, arte, ciência, etc. O incremento da produtividade só pode ser realizado por duas vias: (i) por melhores métodos de trabalho, seja por formação ou processos de trabalho assentes em maior informação ou (ii) pela acumulação de capital, em que melhores infra-estruturas (portos, estradas, aeroportos) e equipamentos (fábricas, computadores…) permitem incrementar substancialmente a quantidade produzida.
O segundo factor é, de longe, o mais determinante na prosperidade de uma dada comunidade. Um jovem engenheiro obterá sempre um salário muito superior na Alemanha em comparação com Portugal, pois a primeira tem uma acumulação de capital per capita muito superior ao segundo. A acumulação de capital depende exclusivamente do aforro de uma população.
Coloca-se então a pergunta? Alguém vai aforrar num país como a Venezuela, onde amanhã o Estado, de forma arbitrária, poderá confiscar-me? Claro que não. Para existir aforro e investimento, é indispensável o direito à propriedade privada, isto é, segurança e previsibilidade. As regras devem ser estáveis e absolutamente claras e intransigentes na defesa do esforço e trabalho das pessoas.
Nada disto acontece com o novo “pacote” do governo, que não é mais que um bilhete de ida para a pobreza, para além de abrir caminho a mais corrupção, em virtude da possibilidade de subarrendamento e arbitrariedade na selecção dos alvos do confisco.
O caminho para o “não terás nada e serás feliz” está aberto com este pacote “Mais Habitação”. O arrendamento coercivo, sem garantias de que algum dia se recupera o usufruto, um tecto máximo para o valor da renda, fixado a partir do valor do último contrato, impedindo a liberdade negocial, isto é, a fixação dos termos em que um proprietário cede o usufruto da sua propriedade, não mais que enormes atropelos à propriedade privada.
Por outro lado, vem criar uma enorme instabilidade ao negócio do Alojamento Local, através da aplicação de novas taxas – as regras estão sempre a mudar – e a limitação da vigência das licenças – até 2030, onde serão reavaliadas –, demonstrando que o Estado português não tem qualquer respeito pelo investimento das pessoas e assegura que nova concorrência não entrará até 2030. Quem é o louco que vai investir em tal contexto?
Depois, os supostos “pontos positivos”, em particular os subsídios ao pagamento das rendas do crédito à habitação e o Estado a substituir-se aos inquilinos no pagamento das rendas, caso ocorra um incumprimento ao final de três meses.
O primeiro é a perpetuação da esmola, em lugar de reduzir impostos sobre as pessoas, continua-se a cobrar o mesmo, para depois obrigar as pessoas a vir de mão estendida pedir o que lhes foi retirado.
O segundo, é a pura desresponsabilização dos cidadãos: podes dar o calote, não te preocupes, pois o senhorio pode recorrer ao Estado para obter o pagamento das rendas – como os tribunais funcionam muito bem, já podemos imaginar quanto tempo demorará a cobrar!
Este “pacote” não é mais que um salvar-de-face do Estado português perante a catástrofe a que chegámos. Recordemo-nos que, em conjunto com o Banco Central Europeu, o Estado português é responsável pela maior inflação – emitiram enormes quantidades de dívida pública com inflação – dos últimos trinta anos, bem como pelo estrangulamento da oferta de casas – a construção de novos fogos diminuiu muito na segunda década do século XXI face à primeira década –, dado que emite as licenças de construção.
Não satisfeito por ter cobrado mais 20 a 30 mil milhões de Euros aos portugueses em 2022 face a 2021, é na verdade o criminoso que volta ao local do crime. Agora, prepara-se para um novo assalto, anunciado com o nome “Pacote Mais Habitação”.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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