Em Portugal, o crime de perjúrio não é levado muito a sério, mas o certo é que no processo de intimação do PÁGINA UM contra o Ministério da Saúde para a obtenção de todos os contratos das vacinas contra a covid-19, assinados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa insistiu em saber se o gabinete de Manuel Pizarro mantém a afirmação de que não existem contratos. O PÁGINA UM já enviou provas da existência de quatro, assinados na primeira fase do programa de vacinação, e tem mais documentação que comprova que há muitos mais. Se o ministro Manuel Pizarro mentir pela segunda vez, esses documentos serão enviados ao tribunal para os devidos efeitos. Portugal já terá gastado cerca de 700 milhões de euros nestes fármacos, mas a factura pode subir mais 500 milhões de euros se o Governo for chamado a pagar solidariamente os negócios acordados pela Comissão von der Leyen.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tem cinco dias úteis para decidir se vai continuar a prestar falsas declarações – acção punida por lei – ou se corrige as primeiras declarações ao Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a alegada inexistência de contratos entre as farmacêuticas e a Direcção-Geral da Saúde DGS) para a compra de vacinas contra a covid-19.
Em despacho feito anteontem, a juíza Telma Nogueira “convidou” o Ministério da Saúde a “se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado” pelo PÁGINA UM em 6 de Fevereiro passada, onde provava documentalmente que quatro dos primeiros contratos para a compra de vacinas até tinham estado no Portal Base, mas que foram entretanto apagados.
O PÁGINA UM apresentou ao Tribunal Administrativo os documentos que comprovavam o “apagão” dos contratos, insistindo que todas as compras daqueles medicamentos, mesmo se negociados entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, tiveram depois que ser alvo de contratos específicos.
Recorde-se que, neste momento, se desconhece a quantidade de vacinas efectivamente compradas pelo Estado português, quantas foram entregues pelas farmacêuticas, quantas foram administradas, doadas, revendidas ou inutilizadas. O Ministério da Saúde tem afirmado que terão sido adquiridas 45 milhões de doses, mas o gabinete de Manuel Pizarro mantém a recusa em mostrar documentos contabilísticos e operacionais que confirmem a recepção dos lotes, os montantes gastos e os compromissos futuros.
Numa altura em que o ritmo de vacinação está extremamente baixo, desconhece-se se existem contratos de garantam vendas futuras às farmacêuticas, mesmo se o destino das vacinas for o lixo. Saliente-se que a Comissão Europeia terá negociado apenas com a Pfizer a compra pelos Estados-membros de 1.600 milhões de doses, mas até Dezembro do ano passado tinham sido administradas 685 milhões de doses da vacina desta farmacêutica norte-americana.
Sabe-se também que entre Agosto de 2020 e Novembro de 2021, a Comissão Europeia celebrou 11 contratos com oito fabricantes de vacinas – algumas ainda nem sequer conseguiram aprovação e outras (como a Novavax, a Valneva e a Sanofi/GKS) só a alcançaram recentemente – para a compra de 4,6 mil milhões de doses, assumindo-se um custo global estimado de 71 mil milhões de euros, ou seja, uma média de 15,4 euros por dose.
No entanto, de acordo com um relatório da Agência Europeia do Medicamento (EMA) de Dezembro passado somente tinham sido administradas, em dois anos, cerca de 934 milhões de doses, ou seja, apenas 58% daquilo que foi contratualizado, o que significa que os diversos países comunitários incluindo Portugal, possam ser obrigado a pagamentos desnecessários. Ou seja, se é previsível que, até agora, Portugal tenha gastado pelo menos 693 milhões de euros (45 milhões a um custo unitário de 15,4 euros), ainda poderá ter de desembolsar perto de 500 milhões de euros mesmo que haja poucas pessoas a quererem vacinar-se no futuro. Estes contratos negociados pela Comissão von der Leyen contêm cláusulas secretas.
Além da evidência comprovada – e que já está na posse do Tribunal Administrativo de Lisboa – dos quatro primeiros contratos de compras do Estado português em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 com a Pfizer e a Moderna – que chegaram a estar integralmente no Portal Base, antes de serem “apagados” por ordem política –, o PÁGINA UM tem documentos que mostram a existência de outros contratos entre a DGS e quatro farmacêuticas.
Com efeito, no âmbito de um programa de apoio comunitário para a compra de vacinas, gerido pelo COMPETE 2020, ao qual a DGS recorreu (Candidatura nº 181412 e Contrato nº 2022/181412), encontram-se diversos comprovativos de pagamento de vacinas contra a covid-19 no valor total de 220.723.680,75 euros, sendo que 64 dizem respeito à empresa Laboratório Pfizer Lda. e 64 à Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal – ambas sucursais da Pfizer –, e ainda 12 à Moderna Biotech Spain, sete à AstaZeneca AB e nove à Janssen Pharmaceutica NY.
Estes pagamentos são, porém, apenas uma parte dos gastos abrangidos na compra destas vacinas, e referem-se ao período anterior a Junho de 2022.
Estes documentos serão entregues ao Tribunal Administrativo de Lisboa caso o Ministério da Saúde insista, mentindo, que “não possui os documentos solicitados”. Saliente-se que o PÁGINA UM também requereu – e deverão ser também analisados pela juíza Telma Nogueira – as guias de transporte dos diversos (que confirmem o seu envio e a recepção) e o acesso às comunicações escritas entre o Estado português e as diversas farmacêuticas no âmbito da vacinação contra a covid-19.
Recorde-se também que os procedimentos de contratação e de gestão das vacinas da covid-19 estarão também a ser alvo de uma auditoria, de acordo com um ofício de Graça Freitas, directora-geral da Saúde ao PÁGINA UM, em resposta a este processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Contudo, o Ministério da Saúde não apresentou provas dessa acção, podendo assim ser mais uma artimanha para evitar a divulgação de documentos públicos.
Manuel Pizarro tem, aliás, como responsável máximo do Ministério da Saúde, seguido a linha da sua antecessora, Marta Temido: é também um acérrimo defensor do obscurantismo, obrigando sistematicamente o PÁGINA UM a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa sempre que solicita documentação e acesso a base de dados.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.