Correio Trivial

Já fomos um país de marinheiros

black and white abstract painting

por Vítor Ilharco // Março 17, 2023


Categoria: Opinião

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Nos meus tempos de escola primária, no século passado, aprendíamos que este País, “à beira-mar plantado”, era um “país de marinheiros”.

A poesia, escrita e cantada, a literatura, a pintura, a escultura, glorificavam o mar que os portugueses tinham vencido em inúmeras provas de coragem.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!”, exclamava Pessoa.

body of water during golden hour

Os portugueses faziam questão de mostrar, aos restantes povos do Mundo, que eram os únicos que conheciam o mar e, ainda que o temessem, o enfrentavam.

Cedo aprendíamos que só os portugueses entendiam que o género do mar era o masculino.

Em Portugal era, e é, O mar.

Não fazemos como os franceses que só o visitam nas praias vigiadas e nunca avançando para zonas onde a água suba acima dos joelhos.

Para os franceses é “La” mer. “A” mar.

Meninas!

Batíamos, em coragem, os próprios vikings, entrando em “cascas de nozes” para descobrir “novos mundos” através de “mares nunca dantes navegados”.

E não havia monstros que nos fizessem desistir,

Porque “ao leme” ia alguém maior.

Alguém que queria o mar que tinha sido, até então, dessas criaturas medonhas.

As nossas lições de História eram hinos à coragem e à superioridade dos portugueses.

Escutava-as com atenção (infantil, talvez, mas orgulhosa) e fui crescendo com enorme respeito por todos quantos enfrentavam mares e oceanos.

De pescadores a marinheiros. De desportistas a fuzileiros.

E muito do meu patriotismo se deve a esses heróis.

O que se ensinará, hoje, nas nossas escolas primárias a esse respeito?

E no que acreditarão os nossos filhos e netos?

grayscale photo of ocean waves

Os que vivem no litoral pobre, muitos deles familiares de pescadores, continuarão a respeitar esses profissionais e a despedirem-se deles, todas as madrugadas, com um beijo, ou um abraço, que sentem poder ser o último.

Depois há os “novos” portugueses, criados em escolas sem disciplina, sem respeito pelos melhores, sem cultura, sem exemplos.

Os que se sonham heróis porque só pensam em medalhas e não sabem dos riscos de, por vezes, só nos restar “sangue, suor e lágrimas”.

Os que vão para a Marinha pensando nas fardas brancas, que prendem os olhares em cerimónias, ou nos camuflados especiais, de fuzileiros, que dão um ar de valentia e masculinidade.

Muitos conseguem ostentar dezenas de medalhas conquistadas em missões importantes mas nem sempre perigosas.

São os heróis actuais incapazes de embarcar num navio com alguns problemas embora o seu comandante garanta que não há perigo.

gray and black ship on sea under white clouds during daytime

O que podem fazer estes marinheiros da Armada Portuguesa, a Marinha de Guerra, por outras palavras, se houver a necessidade de entrarem em combate?

Não obedecem a ordens, porque temem uma avaria que os deixe parados no oceano?

Não obedecem a ordens, seja lá porque motivo for?

Em que país do Mundo um militar desobedece, discute ou, simplesmente, questiona uma ordem de um superior?

E este episódio foi um caso isolado, de treze erros de casting na selecção da tripulação de um navio de guerra, ou é o exemplo do que pode acontecer em qualquer navio de guerra, em qualquer esquadrilha de aviação, em qualquer companhia no exército?

A indisciplina habitual nas escolas, nas últimas décadas, com alunos a desobedecer, gritar e, mesmo, agredir professores, de modo impune, não terá formado adultos frustrados, sem noção das regras básicas e cobardes?

a flag on a beach with a bridge in the background

Já éramos conhecidos como o país com pior educação, saúde e condições de trabalho da Europa democrática.

As nossas Forças Armadas, apesar de tudo, conseguiam disfarçar os seus problemas porque se enviavam, para as missões no estrangeiro, os seus melhores.

O que se passou no NRP (Navio da República Portuguesa) Mondego faz-nos pensar no pior.

Vejamos como reage o Comando.

Pessoalmente, gostava de continuar a viver num país de marinheiros.

Heróis do Mar!

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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