Numa era em que tudo surge ampliado, em que cada laracha no balcão do café (cimbalino, se faz favor!) ganha ecos de trinado de cabra, cada sugestão de debate é um buraco, uma toca para onde foge um coelho apressado e ninguém estranha que ele esteja impecavelmente vestido.
Ora são padres de amígdala tolhida, por condicionamento de desenvolvimento sexual, ora é a pedofilia não ser exclusiva da Igreja (a pedofilia é crime porque tem uma vítima, espero que quem divague sobre os contornos patológicos da psique do criminoso não se esqueça disso).
Ora são buracos em empresas públicas (e como tapar um buraco sem abrir outro ou deitar entulho lá para dentro e cobrir com florzinhas), ora a TAP não é o único problema, e mais a mais o Estado (essa entidade sobrenatural) não deve meter a unha em propriedade privada sem ver que vai nu e que tem as suas propriedades votadas a um abandono crónico, endémico, à vista de todos há décadas.
Mergulhar em cada toca parece uma queda vertiginosa (e é), a maioria de nós segue o instinto comovente de escolher um lado e gritar uma opinião conforme tenha mais ou menos tempo para se entrincheirar em conversas de surdos, lendo as “gordas” (esta palavra foi proibida pelo index woke dos loucos anos vinte) e, se sofrerem da mesma maleita que eu, mal sejam apresentados números e gráficos a cabecita começa a entoar uma musiquinha para distrair (que isto de números é abstração das mentes superiores, e mais a mais está claro que eles têm vontade própria e vão enfiar-se em luras ainda mais escuras que não me parecem de todo apelativas em comparação com sentir raios de sol em brisa fria a aquecer-me as costas).
Eu cá sei somar, subtrair, multiplicar e dividir. Quando a malta se põe a comparar números e a dizer coisas como “triénio” e “spread”, podem estar a falar de gestão danosa à portuguesa, crash financeiro internacional ou efeitos adversos de picas experimentais, que lá começam os Monty Python a cantarolar na minha cabeça, e já não sobra atenção para compilar dados.
Isto é a honesta declaração de iliteracia da minha pessoa. A minha única premissa é que não sei. Há toda uma série de engrenagens (sejam as oleadas ou as gripadas) que vejo a movimentarem-se e saltam-me porcas e parafusos se tento meter a chave nelas.
A mim não me toca (e eu não me toco, mas elas tocam-me a mim, invariavelmente), pois não tenho poder, não tenho costela “activista” e o meu único passatempo de garota é rir-me com as redundâncias, incongruências e artifícios políticos dos diferentes propagandistas (isto é, rir para não chorar).
Leva-se uma vida inteira a compreender a sabedoria de Caeiro.
Como a inteligência artificial é bom, e é o que está a dar (inteligência artificial é diferente de consciência artificial, tenham calma), e a propósito de tocas, perguntei ao ChatGPT o que era o “cloud seeding“. Até porque nesse dia olhei para o céu e lá vi rastos de caracóis em forma de nuvem (passou um avião, deu um pum e foi ao ar).
Foi no quintal de casa junto ao tanque de lavar roupa nos idos anos noventa (seriam os idos de Março?) que ouvi pela primeira vez um rabujar sobre “lá andam eles a dar cabo disto tudo, são eles que arranjam de mexer onde não devem” (quando é que clonaram a Dolly?). E foi a primeira vez que conheci outra entidade sobrenatural, normalmente plural, que se apresentava como um bando, uma praga de macacos voadores feitos engrenagens a girarem o planeta para onde alguém tinha decidido girar, e nós mareados cá em baixo, a sermos empurrados para onde nos levassem.
O meu conhecimento não ia muito além das crónicas de encantar da Condessa de Ségur ou as tropelias de Os Cinco da Enid Blyton, mas imediatamente assumi, com instinto comovente, que “eles” eram por certo uma entidade vilânica, que deveria ser chamada à justiça, mas Deus dava nozes a quem não tinha dentes (e à medida que o Eça entrava na minha vida até percebi que com jeitinho “eles” não sabiam sequer o que eram).
– Mas porque é que mais médicos não se insurgem contra o que se está a passar publicamente?
– Eu quero trabalhar, minha querida!
Então, o ChatGPT munido do seu vasto conhecimento – pelo menos até há uns anos – e um acesso generalizado a fontes de conhecimento filtrado – o melhor possível segundo critérios de seus criadores –, explicou-me a tecnologia de cloud seeding, do enorme sucesso que a mesma tem garantido em criar pluviosidade em áreas conhecidas pela seca e seus benefícios em agricultura industrial e manipulação do clima.
Fascinante… (os nossos amigos Emirados até têm um vídeo promocional sobre isso).
De seguida perguntei se havia efeitos adversos desta tecnologia já medidos ou previstos e, de novo, esta novíssima entidade artificial explicou-me que sim, que havia ainda alguma polémica e vozes críticas, mas ainda nenhum consenso científico sobre se seria técnica nefasta ou não, pelo que certamente que, por agora, se podia empiricamente concluir que estava tudo bem. É só mais uma ferramenta (é um martelo, prega pregos, pregos pregam Pedro).
O meu cérebro, analfabeto claro, fez logo uma ponte no penhasco (o atrevimento da garota) e perguntou ao robot o que eram então os chemtrails. E o robot rapidamente me apaziguou as ideias e respondeu que embora conseguisse ver o paralelo, a tecnologia de semear nuvens era uma técnica segura e legítima, enfim, uma ferramenta com vários fins para o bem-estar da Humanidade, enquanto a alegada tecnologia de chemtrails (nanopartículas e micropartículas que causam alterações climáticas e mais umas quantas coisas que um coelho me contou) era uma teoria de conspiração.
Até poderia ir à minha vida com esta resposta, até porque sempre desconfiei de coelhos impecavelmente vestidos. Mas que a história está manca está.
De resto, se a terra girar ao contrário, de certeza que Oz nos informará sobre isso. Até lá, é comer até rebentar.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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