não interessava se informação era falsa ou verdadeira

#TwitterFiles: Universidade de Stanford foi o epicentro de uma tenebrosa máquina de censura

blue and white heart illustration

por Maria Afonso Peixoto // Março 18, 2023


Categoria: Imprensa

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É mais um episódio tenebroso da gestão da pandemia da covid-19. A Universidade de Stanford liderou um projecto para “caçar” textos nas redes sociais, indicando mesmo pessoas e também temas que deveriam ser banidos, mesmo que não fossem falsos. Os Twitter Files revelam agora que as universidades, que deveriam ser o primeiro reduto da liberdade de expressão e de questionamento, funcionaram afinal como uma máquina de censura.


Virality Project – assim se chamava o projecto liderado pela Universidade de Stanford, iniciado em Maio de 2020, em colaboração com a Tandon School of Engineering, o Center for an Informed Public, o Centre for Social Media and Politics, o National Conference on Citizenship, a Graphika e a DFRLab. Mas em vez de apenas estudarem comportamentos sociais, o projecto acabou por se transformar numa “máquina de censura”, sobretudo quando, a partir do início de 2021, encetaram uma colaboração directa com o Twitter e outras redes sociais. 

Na mira dos académicos estava a “moderação” de uma ampla variedade de discursos em redor da pandemia, desde as teorias da imunidade natural e da alegada fuga do SARS-CoV-2 do laboratório de Wuhan, até “piadas preocupantes” e casos reais de efeitos adversos às vacinas anti-covid. Relatos de países que tivessem proibido algumas vacinas, ou de mortes de celebridades após a vacinação também estavam incluídos.

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Na prática, o projecto consistiu numa rede de censura de todas as publicações que pudessem beliscar a confiança da população face às vacinas contra a covid-19 – mesmo que estivessem em causa informações factuais e verdadeiras. O Virality Project registou uma actividade visível a partir de 2021, e deixou de ser actualizado em Agosto do mesmo ano.

A acção de censura do Virality Project orquestrada por universitários – homens da Ciência, portanto – é o mais recente episódio dos Twitter Filles, ontem divulgado por Matt Taibbi, um dos jornalistas independentes que tem tornado públicas as práticas daquela rede social durante a pandemia, e antes da sua compra por Elon Musk.

Na fachada, de acordo com o seu site oficial, o Virality Project era “uma coligação de entidades de pesquisa focada em apoiar a troca de informações em tempo real entre a comunidade de pesquisa, autoridades de saúde pública, agências governamentais, organizações da sociedade civil e plataformas de social media“, com o objectivo de “detectar, analisar e responder a incidentes de desinformação sobre a vacina contra a covid-19 em ecossistemas online e, finalmente, mitigar o impacto de narrativas que, de outra forma, prejudicariam a confiança do público na segurança desses processos nos Estados Unidos”. Mas foi muito mais do que isso.

Os Twitter Files continuam a revelar um mundo tenebroso de censura e controlo de informação durante a pandemia.

A parceria entre o Twitter e o Virality Project teve início pouco tempo depois da tomada de posse de Joe Biden, em Fevereiro de 2021. Nesse mês, a rede social recebeu o primeiro relatório semanal sobre “desinformação anti-vacinas” que, no entanto, continha “inúmeras histórias verdadeiras”, como salienta Matt Taibbi.

Até as preocupações com a perda de direitos e liberdades com a eventual criação de um certificado digital de vacinação foram consideradas como informações imprecisas, como se lê num relatório endereçado à equipa do Twitter.  De facto, a veracidade, ou falta dela, não importava: desde que fosse susceptível de “promover hesitação vacinal”, qualquer conteúdo poderia ser considerado “malinformation” e, assim, alvo de censura. Ao contrário da “desinformação”, o termo malinformation designa informações que, sendo factuais, são veiculadas com o propósito de causar dano a um cidadão, país ou organização. 

Para além do Twitter, o Virality Project colaborava ainda com o Facebook, Instagram, Google, Youtube, Tiktok e o Pinterest.  Segundo Taibbi, o projecto depressa ganhou também “visibilidade” junto de outras plataformas alternativas, como o Telegram e o Parler.

O Virality Project teve autonomia para classificar entidades como suspeitas. Assim, por exemplo, o Worldwide Rally for Freedom – uma iniciativa organizada via Telegram, que abrangeu várias manifestações em dezenas de países contra as medidas anti-covid – ficou descrita como sendo uma fonte de “desinformação”.

Num dos relatórios enviados ao Twitter, alertava-se aquela rede social para a data em que estava previsto o próximo protesto, acrescentando-se a hashtag utilizada para as publicações sobre o evento, #WewillALLbethere, e o facto de estar a “ganhar tracção online entre os principais influencers cépticos da covid-19, tanto na Inglaterra como na França”.

Outro relatório do Virality Project versava sobre os comprometedores e-mails de Anthony Fauci, o antigo director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) divulgados legalmente no âmbito do Freedom of Information Act em Junho de 2021. Os e-mails, que abordavam as directrizes para as máscaras e a fuga de laboratório, foram vistos pelo Partido Republicano como uma prova de que Fauci “enganou o público americano”, referia-se no relatório. 

Colaboração iniciou-se em Fevereiro de 2021.

Por exemplo, neste caso foi até identificado um denominado “influenciador anti-vaxxer”, Alex Berenson, antigo jornalista do The New York Times e conhecido escritor norte-americano. Berenson chegou a ter a conta suspensa em Agosto de 2021, apenas sendo restabelecida no início de 2022 num acordo extra-judicial.

Noutros casos, são identificados “reiterados infractores” (repeat offenders), os quais deveriam ser vigiados por ser expectável que viessem a escrever sobre temas delicados. Neste grupo constava o advogado Robert F. Kennedy Jr..

O projecto da Universidade de Stanford considerou, de forma completamente abusiva, que referências ou alegações sobre os e-mails de Fauci também configuravam desinformação, já que “fomentavam desconfiança”.

Matt Taibbi refere que até no seu último relatório, o Virality Project qualificava como desinformação a tese de que “a vacina não prevenia a transmissão, ou que os Governos planeavam implementar passaportes digitais”. “Ambas [as teses] se revelaram verdadeiras”, salienta agora o jornalista.

A hipótese, que agora é assumida pelo FBI, foi classificada como desinformação pelas redes sociais por influência da Universidade de Stanford.

A colaboração com o Virality Project marcou, conforme se consta agora neste episódio dos Twitter Files, um ponto de viragem nos critérios da rede social sobre os conteúdos afectos à covid-19 que pudessem ser “sinalizados”. Até Julho de 2020, ainda nas primeiras fases da pandemia, o Twitter somente “cortava” informações que fossem “comprovadamente falsas” sobre a covid-19. 

Depois dessa data, a plataforma tecnológica então liderada por Jack Dorsey, sucumbiu aos padrões impostos pelo Virality Project, cujo principal objectivo era não melindrar os cidadãos norte-americanos no que dizia respeito à vacinação anti-covid.

Embora os documentos agora revelados pelos Twitter Files sejam apenas sobre esta rede social – e já não se apliquem sobre os seus utilizadores –, mostra-se fortemente plausível que as outras redes sociais também tenham sido seduzidos pelo Virality Project. Aliás, o Facebook ainda censura e aplica “castigos” aos seus utilizadores, mesmo sobre matérias já comummente aceites como verdadeiras. Esta semana, mesmo referências feitas pelo PÁGINA UM às declarações do ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, foram abusivamente eliminadas pela rede social de Mark Zuckerberg.

Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.

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