Os jornais da noite descreveram o dia de ontem, na comissão parlamentar de inquérito da TAP, como um guião digno de Hollywood com desenlace rocambolesco. Reconheço a originalidade do que estamos a ver e ouvir em directo (algo que me parece bom para a democracia), mas, aqui entre nós, é mais teatro de revista do que propriamente uma grande produção.
Perdi algum tempo a ver o triste espectáculo em que se tornou a política portuguesa, e fiquei com várias dúvidas. E apenas uma certeza. Pouca gente naquela comissão estará interessada na verdade. O PS tenta safar João Galamba e queimar o (ex-)adjunto, enquanto a oposição faz o contrário. É relativamente simples ver pelas perguntas, comentários e adjectivações de cada um dos deputados, nos momentos em que fazem as questões, o que por ali andam a fazer.
De todos, o mais esperto, Ventura, em permanente campanha eleitoral, assumiu o lugar do outro deputado do Chega e aproveitou as horas em direto para ser o destaque do dia. Foi ele, sem qualquer dúvida, o líder da oposição naquela comissão. A inutilidade do PSD neste particular é algo que não pára de me espantar.
Frederico Pinheiro, ex-adjunto de Galamba, foi arrasador nas declarações que fez e deixou Galamba ainda em piores lençóis. Não se engasgou, não entrou em contradições e fez acusações graves, nomeadamente a parte em que mete as secretas ao barulho.
Eugénia Correia Cabaço, jurista de profissão e chefe do gabinete do ministro, também não se engasgou ou se sentiu intimidada pelo ambiente da comissão e não tremeu perante os deputados. Diria que fez o contraditório do discurso de Frederico Pinheiro sem grandes dificuldades. Ou como diria Perry Mason (só para os mais antigos), estabeleceu a razoabilidade da dúvida entre quem a ouvia. Na Assembleia da República e, já agora, em casa.
Fico obviamente curioso para ver como Galamba se vai defender hoje, mas não entendo, mesmo, como é que o homem continua sequer como ministro. António Costa, depois de ter encostado Marcelo à parede, vai ter alguma dificuldade em fazer novo truque de magia no fim desta comissão de inquérito.
Interessa-me pouco, para já, discutir as agressões, a legítima defesa e o alegado sequestro. Sem a câmara de videovigilância vamos andar, apenas, a navegar no mar da especulação. Nem sequer percebi, entre socos e agarrões de mochila, como é que o adjunto acabou manietado e sequestrado. É uma daquelas partes do guião em que o escritor tirou uma pausa para café e, quando voltou, passou ao capítulo das secretas na piscina dos filhos.
Esta parte do filme, o envolvimento dos serviços secretos já me parece bem mais interessante e grave. Desde logo porque o depoimento de Frederico Pinheiro revela uma tentativa de intimidação, ao mesmo tempo que lhe exigiam que devolvesse o computador e as notas tiradas na reunião com a CEO da TAP.
Eugénia Cabaço não negou o envolvimento das secretas, mas não revelou quem deu a ordem. É aqui que tudo fica mais apimentado. Não chega a guião de Hollywood, mas já cheira a mistério com actores de qualidade B.
Tal como a ameaça de Galamba ao adjunto (de lhe dar dois socos), que é facilmente comprovável pelo registo das chamadas (qualquer engenheiro de telecomunicações pode explicar isto), o envolvimento do SIS não deve ser muito difícil de comprovar. Ou melhor dizendo, será difícil João Galamba esconder essa realidade se, de facto, tiver acontecido. E se for assim, se o PS andar a usar as secretas para arrumar a casa, o caso muda totalmente de figura. É a prova cabal e final de que este Governo de maioria assume o Estado como o seu quintal e Portugal como a sua coutada. Os verdadeiros donos disto tudo sem pejo nem pudor.
O que parece ser consensual e, honestamente, a única verdade até ao momento, mais ou menos confirmada, é que de facto Frederico Pinheiro tomou notas na reunião de preparação com a CEO da TAP. Notas essas que, como se percebe, seriam incriminatórias para João Galamba (noutra prova de que o PS domina os bastidores da política), e acabaram por precipitar todo o enredo que resultou neste final triste e degradante, na comissão de inquérito.
Tem a palavra Galamba para mais um dia de circo na República e umas boas 5 horas de transmissão televisiva.
Cá fora, onde a vida real acontece, o cabaz de produtos básicos ficou mais caro, um mês depois do Governo anunciar o IVA zero sobre alguns bens de consumo. É aqui, neste rodapé informativo, que assenta o verdadeiro drama de Hollywood.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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