ERC APLICA COIMA DE 2.500 EUROS POR ARTIGO que promoveu campanha do BANCO SANTANDER

Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia

black and red bicycle on brown concrete floor

por Pedro Almeida Vieira // Junho 1, 2023


Categoria: Imprensa

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Um artigo de uma jornalista do Público promovendo em 2019 uma campanha de saldos em taxas de juros valeu agora uma inédita multa de 2.500 euros. Mesmo não havendo provas de que o Banco Santander tenha pagado para que este artigo em concreto fosse publicado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não teve dúvidas sobre a intenção do Público em promover aquela instituição bancária. Mais tarde, em 2021, o Público teve uma parceria paga pelo Santander, que envolveu o pagamento de quatro conteúdos comerciais no Estúdio P.

ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


O jornal Público foi multado em 2.500 euros por uma notícia publicada há quase quatro anos sobre produtos financeiros do Banco Santander, assinada por uma jornalista, considerada como publicidade pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em deliberação de 13 de Abril, mas apenas ontem divulgada. A coima ficou num ponto intermédio do valor máximo previsto para estes casos na Lei da Imprensa.

A decisão do regulador – que reputa a acção do diário da Sonae como “dolosa” e “sem arrependimento” – poderá contribuir para se abrir o fundamental debate em redor da isenção e independência dos media mainstream e sobre influência perniciosa das empresas privadas e entidades públicas na definição das linhas editoriais através de conteúdos que navegam entre o marketing e a informação.

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Na origem da coima está um artigo da jornalista Rosa Soares – com uma vasta experiência em jornalismo económico e de mercados – publicado em 27 de Julho de 2019 sob o título “Saldos de taxas de juro? O Santander está a fazer”, que fazia a apologia de uma campanha daquele banco que finalizava naquele dia. Em apenas nove frases, acompanhada de uma imagem promocional da campanha, destacava-se ser a “última oportunidade” de obter um financiamento de 25 mil euros com uma taxa anual nominal (TAN) de 6,99%.

O texto jornalístico dava detalhes sobre simulação para um empréstimo de 7.500 euros, salientando ainda que “o crédito ao consumo tem crescido de forma muito expressiva em Portugal e os ‘saldos’ do Santander são um exemplo da aposta que os bancos fazem, na contratação de empréstimos online”. Porém, nenhuma outra campanha de outro qualquer banco era referenciada. Apesar de não fazer ligação directa ao site do Banco Santander, a imagem que acompanhava o artigo consistia num printscreen onde constava o endereço completo.

O processo de contra-ordenação conduzido pela ERC – e ontem divulgado no seu site – foi o culminar de um procedimento oficioso que, em Junho de 2020, já concluíra que o texto da jornalista Rosa Soares “tem um conteúdo publicitário, no sentido promocional”, e que, segundo a Lei de Imprensa, “devem encontrar-se identificados como tal”.

Prinscreen da campanha do Santander, com o endereço do site, acompanhava a notícia do Público.

Na sua defesa, a direcção editorial do Público referiu que o artigo de Rosa Soares “não corresponde a uma publireportagem, porquanto não se destina a promover e/ou publicitar um produto, uma entidade ou um serviço, mas antes a transmitir, exclusivamente, informação”, alegando ainda que o jornal “não foi remunerad[o] pela publicação do artigo”.

Por outro lado, argumentou o Público que da leitura do artigo “não resulta qualquer promoção da atividade do Banco Santander, mas somente a descrição factual da realidade enquadrada em informação geral sobre o crédito ao consumo”. Saliente-se que apenas as duas últimas frases do artigo de Rosa Soares remetem para informação geral sobre crédito ao consumo, relativo ao ano de 2018, apresentando o Banco de Portugal como fonte.

Embora não tenha conseguido provar que o Público “tenha obtido benefício económico pela publicação da notícia”, mas apenas por “não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente” – o que, diga-se, só com mandato judicial e análise contabilística –, o regulador diz ter “a convicção firme e segura de que os trabalhadores da Arguida responsáveis pela publicação do artigo em causa [isto é, a jornalista, e editoria e a direcção do Público], bem sabiam que o mesmo carecia da identificação legalmente exigida como sendo um conteúdo publicitário – na medida em que o conhecimento da lei é expectável para quem labora nesta área de atividade especializada há mais de 30 anos – conformando-se com a decisão, bem sabendo que a sua conduta seria ilícita.”

Ou seja, segundo o regulador, aquele artigo somente poderia ser publicado se “identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

Em todo o caso, saliente-se, que se tal se tivesse verificado, a jornalista Rosa Soares não poderia ser a autora, uma vez que o Estatuto do Jornalista impede o desempenho de mensagens publicitárias e execução de estratégias comerciais, apesar de ser uma prática cada vez mais comum sem qualquer intervenção relevante da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, apesar das sucessivas denúncias do PÁGINA UM ao longo dos últimos dois anos.

O regulador diz também que a “ordenação de elementos [do artigo] é reveladora da hierarquia de importância das matérias tratadas: a maior parte do texto centra-se no destaque do produto do Banco Santander, sendo a referência à tendência setorial de crescimento dos créditos de consumo uma informação de contexto que, apesar de reforçar o valor informativo, não constitui o objeto central do texto.”

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Além disso, a ERC assinala que “o artigo foi publicado em dia em que ainda decorria a campanha de marketing do Banco Santander”, e que se o Público, como defendia, “pretendia chamar a atenção para as novas formas de colocar o crédito ao consumo”, não compreendia então como “apenas fez referência a uma única instituição bancária das várias que existem no mercado”.

A ERC diz mesmo que “é por demais evidente” a ilicitude por parte do Público “face aos anos de experiência”. O jornal, recorde-se, foi fundado em 1989, e é desde hoje dirigido por David Pontes. À data da publicação do artigo agora alvo de multa, o director era Manuel Carvalho.  

Posteriormente à publicação do artigo de Rosa Soares, o Público estreitou relações com o Santander, sendo parceira (leia-se, recebendo montantes por via de um contrato comercial) na promoção de um produto financeiro complexo denominado Santander Future Wealth. Nesses textos, já classificados como publicidade, foram publicados, entre outros, artigos sobre síndrome de Asperger e sobre bolsas para intercâmbios académicos lançadas por aquele banco.

green plant in clear glass vase

O PÁGINA UM contactou Rosa Soares, a jornalista do Público que escreveu a notícia considerada publi-reportagem pela ERC, que se escusou a comentar esta decisão do regulador por o processo de contra-ordenação ter sido contra o jornal. Em todo o caso, recomendou a análise ao seu trabalho jornalístico na área da defesa do consumidor, nomeadamente de más práticas dos bancos. Efectivamente, numa análise aos artigos dos últimos anos, Rosa Soares tem-se destacado nestas áreas.

Numa pesquisa às várias centenas de artigos que esta jornalista escreveu no Público desde Janeiro de 2022 até à data, apenas por uma vez incidiu exclusivamente sobre o Banco Santander, mas até foi para noticiar algo desfavorável à instituição: uma multa de 107,8 milhões de libras (perto de 125 milhões de euros) aplicada à filial britânica pela Autoridade para a Conduta Financeira do Reino Unido por falhas no sistema de prevenção de branqueamento de capitais.

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