Autor bestseller, Jorge Rio Cardoso capturou a atenção de milhares de leitores que procuram as suas dicas sobre como maximizar o aproveitamento escolar de crianças e jovens. Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Aveiro, é professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), em Santarém. É também reformado do Banco de Portugal, onde exerceu funções como técnico superior. A sua carreira bem-sucedida como perito em Educação e motivação dos estudantes, começou com a conquista de um obstáculo: Jorge Rio Cardoso foi um aluno “sofrível”. Mas afinal o seu calcanhar de Aquiles transformou-se em força, depois de ter descoberto o atletismo, que lhe infundiu de autoestima e confiança. Hoje, ensina educadores e pais a ajudar os mais novos a serem bons alunos e o seu método Ser Bom Aluno – ‘Bora lá’? revelou-se eficaz a melhorar os resultados escolares. A pretexto do seu novo livro Como fazer dos nossos filhos alunos de sucesso, o PÁGINA UM entrevistou este professor e investigador que acredita que o foco da Educação não deve estar apenas nas classificações, e que os pais devem fomentar a alegria, a iniciativa e uma autoestima saudável nos filhos, para a sua formação como seres humanos.
Tornou-se especialista em sucesso escolar, mas nos seus tempos de escola nem sempre foi um bom aluno, e só quando começou a praticar atletismo é que se deu uma viragem no seu aproveitamento. Até que ponto é que atividades extracurriculares, como o desporto ou as artes, podem contribuir para a motivação das crianças e dos jovens nos estudos?
Eu diria que é essencial. Ou seja, não há ninguém que consiga aprender se estiver triste ou desmotivado. A motivação é fundamental, sobretudo aquela que nós chamamos de motivação intrínseca, aquela que vem de dentro de nós. Essa é a que é capaz de nos transcender. Realmente, eu era um miúdo com baixa autoestima, desmotivado, não via interesse na escola. Aliás, a escola não me identificava nada de bom. E as coisas mudaram quando apareceu na minha vida o atletismo. O atletismo deu-me alegria, regras, disciplina e, depois, essa alegria, eu passei-a também para os estudos. Comecei a perceber que quando me esforçava mais no atletismo, quando treinava mais, os resultados melhoravam, e comecei a perceber que com o estudo também era assim. Porque eu estava convencido de que uns tinham nascido bons alunos e outros maus alunos, e eu, logo por azar, estava nos segundos. Tinha nascido mau aluno, e estava mais ou menos conformado. Depois, comecei a perceber que realmente o problema era que estava desmotivado, não sabia muito bem o que era isso de estudar. Às vezes, os pais põem esta questão: como é que eu motivo o meu filho ou a minha filha para a escola? E eu digo sempre que a questão está mal colocada. É: como é que eu motivo o meu filho, ou a minha filha, para a vida? Ele tem que estar motivado para a vida. Dentro da vida há a escola e um conjunto de outras actividades. Quando eu confronto alguém, pode ser uma criança ou não, com duas actividades; uma de que ela gosta muito, de grande probabilidade, como jogar à bola, por exemplo, ou ballet, e outra de pouca probabilidade, que ela não gosta muito, como estudar, geralmente há ali fases comunicantes. Para ela merecer a primeira, geralmente vai apostar – serviços mínimos, pelo menos – naquilo que é estudar. No meu caso, foi um desporto que mudou as coisas, mas poderia ter sido, por exemplo, uma actividade que é essencial na concentração e na motivação, que é a música. Seja praticar um instrumento, seja cantar, tudo isso é muito importante do ponto de vista educacional. Também as neurociêncais dizem que há uma alteração profunda em termos cerebrais. Podia ter falado, como disse muito bem, nas artes, no teatro, na dança… Há imensas actividades que, para além das competências naturais que trazem, conferem também a alegria de viver, e isso depois propaga-se a tudo, nomeadamente num aspecto essencial, que é estudar.
Também fala neste livro, Como fazer dos nossos filhos alunos de sucesso, da importância de fomentar uma autoestima saudável e dos afectos. Como é que os pais podem encontrar esse equilíbrio entre elogiar e reforçar a confiança das crianças, e ao mesmo tempo impôrem regras e disciplina?
A questão está muito bem posta, porque temos que arranjar um equilíbrio. Os jovens terem autoestima é fundamental. No livro, dou até uma regra que acho importante, que é para cada crítica haver cinco elogios. Claro que às vezes os pais dizem que não têm muito para elogiar, porque se baseiam apenas nas notas, e então quando as notas não são boas, acham que não têm nada para elogiar. Mas, por exemplo, o esforço que o jovem está a fazer, ou encontrar qualquer coisa que não era dele e ir entregar, ou alguém que se aleijou e ele foi ajudar nos curativos… Tudo isso são motivos de elogio, e a sua atitude para com os outros. Porque, digamos, a Educação não é apenas passar conhecimento. Hoje, o conhecimento está na ponta dos dedos. E, portanto, aquilo que mais quero de um filho ou de uma filha, não é propriamente que ele seja doutor, engenheiro ou professor catedrático. Mas sim que um seja um bom pai uma boa mãe, que viva a cidadania, tenha respeito pelos outros, isso é fundamental. E hoje em dia, na forma como a escola está, o ser solidário, o ter valores de honestidade, não é pontuado, não é? Não é assim que eu vou entrar em Medicina. Portanto, não é o tema deste livro, mas penso que a escola terá que mudar no sentido de treinar esses mesmos valores fundamentais para o cidadão de amanhã. Porque sabemos que os países mais ricos não são propriamente aqueles que têm mais metais preciosos ou mais petróleo. Nada disso. São aqueles que têm mais capital humano, e o capital humano não é apenas no sentido de saberem muitas coisas, mas precisamente porque são sociedades em que esse capital humano – que inclui vários aspectos, além de criar empatia com os outros, saber trabalhar em equipa, e saber ouvir os outros. Todos esses aspectos podem ser treinados naquilo que é a Educação.
Referiu que a ambição dos pais não deve ser que os filhos sejam engenheiros ou médicos, por exemplo. No seu livro realça a importância de se detectar e potenciar os talentos das crianças e dos jovens. Como é que os pais podem fazer isso? Estando atentos às pré-disposições e às preferências das crianças?
Sim. Hoje em dia, o ensino em Portugal já está muito voltado para isso. Até porque conhecemos o relatório do Professor Guilherme de Oliveira Martins. As competências essenciais à saída da escolaridade obrigatória… Aliás, num dos meus livros, foi ele que fez o prefácio exactamente por causa disso. Há um conjunto de competências, que muitas vezes vão muito para além daquilo que a escola valoriza, que é linguística e a lógico-matemática, mas há muitas outras, nomeadamente, por exemplo, criar empatia com os outros. Há aquelas pessoas que nos deixam bem dispostos, e não é propriamente a contarem piadas, mas a forma de elas estarem, a escuta activa. Tudo isso são aspectos muito importantes. E na sociedade nós notamos, há aquelas pessoas mais extrovertidas, ou mais exuberantes. Se estivéssemos a falar de uma casa, eu diria que isso seriam os tijolos, mas, às vezes, esquecemo-nos de uma parte, que é o cimento que une esses tijolos, e que não se dá por eles mas que são essenciais para a solidez desse edifício. E eu comparo esse cimento a essas pessoas que unem pontos e arranjam consensos. E portanto, estas pessoas são essenciais. É um talento realmente muito importante. Ser capaz de se ver o ponto de vista do outro, e no fundo, talvez a coisa mais importante, que é a inteligência emocional.
Pois, dessa inteligência não se fala tanto.
Há um estudo que eu gosto sempre de referir, que responde a esta pergunta: porque é que as pessoas têm sucesso? Sucesso, enfim, esta palavra tem muito que se lhe diga. Não é apenas no campo das notas; é, digamos, de singrar em instituições e serem respeitadas. E havia a ideia de que podia ser do chamado QI, que hoje está um bocadinho em desuso. E, curiosamente, o QI só explica 20% do sucesso das pessoas. Então, onde é que estão os outros 80%? Estão precisamente em aspectos ligados à inteligência emocional. E a boa notícia é que, enquanto a inteligência emocional é qualquer coisa que pode ser trabalhável, ou seja, nós conseguimos mudar as nossas atitudes, a maneira de ver os outros. É algo em que nós podemos evoluir. E com o QI já não é bem assim. O QI, seja alto ou baixo, é praticamente o mesmo ao longo da nossa vida, não há forma o mudarmos. E depois, também há outra coisa: às vezes, aquelas pessoas muito inteligentes são pessoas um bocadinho inadaptadas e que se isolam. Às vezes não são as pessoas mais felizes. E esta nossa capacidade de ser feliz, às vezes passa por viver aquilo que é a cidadania, mas com solidariedade perante aqueles que não tiveram uma vida tão simpática ou que à partida têm alguma deficiência. Aliás, quando há uma criança com necessidades especiais de Educação numa turma, é claro que é muito bom para a criança, porque vai ser estimulada, mas também é muito importante para todos os elementos da turma, porque o cuidado e a solidariedade vão ser ensinados e trabalhados. Embora, eu aqui gosto sempre de referir um aspecto: a integração é diferente da inclusão. Porque inclusão é a criança estar lá na turma. A integração é o que acontece depois nos intervalos: se ela fica a um canto, então não está integrada. Para as estatísticas, ela está lá, mas depois é preciso sensibilizar e promover valores, e isso é que é educar.
E onde é que traça a linha entre aquele que deve ser o papel dos pais na educação de jovens e crianças, e aquele que deve ser o da escola?
Há claramente uma linha de separação, embora a presença dos pais na escola seja muito importante. Eu tenho um filho pequeno, e a escola dele, que é uma escola pública, promove por exemplo grupos interactivos, e os pais são convidados a estarem na escola uma vez por semana. A presença dos pais na escola previne muito insucesso escolar. Sempre que há um problema, o acompanhamento próximo faz com que se detecte o problema que o aluno está a viver e resolve-se logo ali à partida. A sintonia entre pais e escola é absolutamente fundamental. Às vezes, os pais, com a melhor das intenções, querem explicar ainda melhor aquilo que foi feito na escola. Acho isso bastante errado, porque nós às vezes estamos a explicar como nos ensinaram há 20 anos ou há 30, e não como são os modernos conceitos hoje. E isso pode provocar na cabeça do aluno alguma confusão. Agora, os pais têm de ir para além da escola. Há um conjunto de várias actividades que trazem competência, regras e alegria, e essas sim, é que os pais devem pôr à disposição. Os pais devem ajudar os filhos a ser. Ou seja, a outra parte que vai para além da escola. Diria que pais e escola estão em sintonia, digamos que cada um tem a sua área privilegiada, o que não quer dizer que não haja ali uma zona cinzenta, comum aos dois. O que os pais devem fazer é valorizar a escola, e o trabalho dos professores. É essencial, porque o jovem não vai investir o seu tempo, a sua paciência e a sua atenção numa coisa que os pais desvalorizam.
Outra questão que gera alguma controvérsia tem a ver com os rankings e as classificações. Há quem considere que se tem baixado um bocado a exigência nas escolas, nos últimos anos, nomeadamente com as medidas relativas às reprovações. É, no entanto, possível defender-se que não se coloque demasiada ênfase nas notas, mas ao mesmo tempo, reconhecer-se que deve haver uma certa exigência. Qual é a sua visão sobre isto?
Sim, percebo a sua questão. O facto de não haver reprovações, assim no sentido clássico, aquilo que estávamos habituados, não quer dizer que tenhamos baixado a exigência. Se calhar até é mais exigente. Não vou deixar ninguém para trás, mas se calhar vou ter que ter pedagogias alternativas, e vou ter que experimentar outras formas de fazer chegar o conhecimento aos alunos. Se eles tiverem que ficar mais um mês porque ainda não adquiriram as competências, se calhar, isso é um grande incentivo para trabalharem mais e esforçarem-se mais. Realmente, nós falamos de uma avaliação somativa, as notas clássicas. Mas há uma outra avaliação que é muito importante, .que é a avaliação formativa. Ele sabe trabalhar em grupo? Sabe arranjar consensos? A liderança, o empreendedorismo, são tudo coisas que se trabalham, não é? E, portanto, aquela ideia do sentido prático da vida também é fundamental. E aqui, falo da escolaridade obrigatória; claro que no ensino universitário as notas vão ser muito importantes. Mas às vezes há muito a cultura da nota, sacrifica-se tudo pela nota. E até se chega ao exagero de dizer uma coisa que é mais do que evidente, que é, os meninos e as meninas são diferentes uns dos outros… E sabemos que no plano teórico, se houvesse uma turma só de raparigas e outra só de rapazes, e houvesse um tipo de ensino de acordo com as características, e outro para eles, é claro que as notas subiriam, não tenho dúvidas nenhumas disso. E há quem defenda esta segregação, diria eu. Mas nós queremos é educar, e que os meninos e as meninas se conheçam. Que tenham os naturais conflitos, e os saibam resolver. Se calhar, assim estamos a prevenir violência doméstica, por exemplo. Também já houve a ideia de separar os alunos muito bons daqueles que são maus. Também sou completamente contra isto. Agora, o que acho que é o grande problema, e que mais tarde ou mais cedo vai ter que ser resolvido, é a forma como os alunos entram nas universidades. E ainda entram com as notas, hipervaloriza-se as notas. Se fossem as universidades a escolher… Com um médico, não são só as hard skills que importam, por exemplo, mas também a forma como comunica. Por isso, se as várias áreas do saber, as várias universidades escolhessem também os alunos, poderia haver também essa componente, para além da nota. Porque eu lido com muitos directores de agrupamentos de escolas, e eles dizem que essa parte dos valores realmente é muito, mas que têm que prestar contas perante o Ministério da Educação. E o Ministério da Educação olha para os rankings, vê em que lugar é que está a escola, no sentido de eles cumprirem as metas curriculares e os programas. Portanto, mesmo achando interessante esta história dos valores, não é por aí que estão a ser avaliados. Para que isto possa mudar, a forma como os alunos entram nas universidades pode ser uma parte da mudança.
Portanto, acha que se devia valorizar menos as notas e os rankings.
Sim, claramente, porque, às vezes, estamos a comparar coisas que não são comparáveis. Agora, também não desvalorizo totalmente os rankings, atenção. Não vou dizer que eles não servem para nada, mas numa imagem, para se perceber o meu pensamento, é como um termómetro. Vejo a temperatura, e se for mais de 38 graus, há aqui qualquer coisa. Mas, dizer que só quero saber da temperatura corporal, não me leva nada. Se calhar, pode ser um problema grave ou pode acabar por não ser, pode ser uma pequena gripe, etc. Depois, há outros instrumentos que tenho que usar, e também na Educação é a mesma coisa. Os rankings dão-nos informação, mas há muitos outros indicadores. Temos que ver as coisas de um ponto de vista objectivo.
Ia perguntar-lhe precisamente qual era a sua opinião em relação à segmentação do ensino de rapazes e raparigas, mas já respondeu.
Sim, sou completamente contra, porque a sociedade é diversa. Aliás, nós até devemos, às vezes, colher os exemplos que saem da natureza. Sou a favor de todo o tipo de diversidade, seja ao nível da diversidade intelectual, ou de opiniões. Podemos não ter exactamente a mesma opinião, mas temos é que respeitar a opinião do outro, desde que seja, evidentemente, fundamentada. Sou contra essa segregação. Dir-me-ão que as notas subiriam. Não tenho dúvidas disso. Porque realmente, nós professores, quando estamos a ensinar, é para o aluno médio. Não é para um rapaz nem para uma rapariga, é para o que chamamos um aluno médio. Mas é muito importante que, nisto que é educar, os rapazes e as raparigas partilhem o mesmo espaço. Claro, não vai ser tudo um mar de rosas. Eles têm as suas diferenças, mas há com certeza uma interacção e coisas que eles começam a perceber, como a necessidade de respeitar o outro. O bullying trata-se disso, não conseguir respeitar uma pessoa que é diferente, seja por que motivo for.
Sabemos o estado em que se encontra a Educação, e da desmotivação que muitos professores e alunos sentem. Acha que este modelo universal da escola pública está a atravessar uma crise? Ou, por outro lado, não vê o panorama actual de forma assim tão negativa?
Ao longo da História da Educação, verificamos sempre que ninguém está contente. Ou seja, daqui a 30 anos ou 100 anos, evidentemente que as pessoas dirão que é possível fazer melhor. Acho que se tem caminhado na direcção certa. Para explicar um bocadinho aquilo que será o futuro da escola, tenho que falar em três modelos. Nisto, que é a Educação na escola, há sempre três elementos fundamentais: o professor, o aluno e um elo privilegiado entre o professor e o tal conhecimento ou competências; e aqui o aluno tem um papel passivo de ouvinte. Porque a ideia de ensinar é “eu ensino e tu aprendes”. E vais aprender o quê? O que eu acho que devo ensinar, porque o inteligente aqui sou eu. Ou seja, o aluno não participa na construção do seu conhecimento. Ele pode estar com uma grande curiosidade – e para aprender, a curiosidade é fundamental – sobre vulcões e, mas no programa os vulcões é só daqui a dois anos. E o professor: “olha, pena, não te vou ensinar”. Isto é evidentemente pouco simpático. Depois, há um segundo modelo, menos mau, digamos assim, que é um privilegiado entre o aluno e as tais competências. Ou seja, o aluno acede ao conhecimento fazendo umas leituras prévias antes de ir para a aula, e o professor é um elemento facilitador. Se o aluno não percebe alguma coisa, o professor ajuda. E isto é um bocadinho aquilo que nós chamamos a aula invertida; o aluno chega à aula e já tem algum conhecimento. O modelo de Bolonha de que hoje em dia tanto se fala, no fundo, privilegia este modelo. Agora, aquilo que eu acho que é o futuro é um elo privilegiado entre professor e aluno. O conhecimento e as competências ficam, digamos, para um segundo plano, porque muitos do conhecimentos que nós falamos, às vezes, ficam desactualizados.
Não parece um contrasenso colocar os conhecimentos em segundo plano na escola?
Lembro-me de conhecimentos que me passaram no primeiro ciclo – já foi há muitos anos –, que eram os caminhos-de-ferro de Angola, coisas assim desse género. Hoje em dia, podemos dizer que é um conhecimento inútil, porque alguns desses caminhos, se calhar, já nem existem. Quando pretendemos passar valores, esta proximidade entre professor e aluno é muito importante. O peso das disciplinas – português, inglês, matemática –, como as conhecemos, vão perdendo peso, em benefício daquilo que chamamos uma lógica de projecto. Porque, quando estamos, por exemplo, a trabalhar numa aprendizagem relativamente às alterações climáticas ou outra coisa qualquer, geralmente há um conhecimento multidisciplinar. Portanto, vou buscar os conhecimentos de várias das tais disciplinas tradicionais. Podemos pensar em criar um evento, uma conferência final, e em quem é que vamos convidar para falar sobre isso. Pôr os alunos a pensar, a decidir e a trabalharem é muito importante, porque, às vezes, o output que dali sai tanto pode ser um vídeo, como um áudio… O que leva à indisciplina é o aluno estar sossegado na cadeira, porque nem todos estão. Por isso, gera-se barulho, os professores ficam enervados. Aqui, deixe-me dizer-lhe uma coisa que acho que vai ser o futuro da escola, e que é fundamental: a educação emocional. Porque só consigo estudar se estiver equilibrado emocionalmente. E, portanto, o yoga, a meditação e o mindfulness são absolutamente fundamentais.
E vê isso a ser aplicado hoje, ou ainda está longe de serem práticas generalizadas?
Hoje, ainda há escolas que passam completamente ao lado disto. E, hoje em dia, é mais difícil de estudar do que era no passado, porque há milhentos canais de televisão, redes sociais, há 1001 coisas que não havia, por exemplo, no meu tempo. As crianças hoje não são estimuladas, são hiperestimuladas. Depois, para eu treinar as aprendizagens, tenho que pôr água na fervura e voltar à minha calma. Tenho que saber identificar as minhas emoções e saber geri-las, e, às vezes, eles não têm esse instrumental. Nesse sentido, o yoga ajuda bastante, é científico. Por vezes, até estamos tristes e pode ser por pequenas coisas e não ter acontecido nada de especial. Se tivermos um instrumento como a meditação, aquilo imediatamente desvanece. Portanto, nas escolas – e agora as escolas podem escolher uma parte do seu currículo –, a educação emocional é absolutamente determinante no que vai ser o futuro daquele ser humano. É muito importante no sentido de eu saber resolver conflitos.
Então, há mudanças a empreender e o momento actual pode ser uma oportunidade nesse sentido?
Sim. O modelo que acho fundamental, e que será um bocadinho um guia na escola, é de um elo privilegiado entre o professor e o aluno. O conhecimentos ficam para depois. Juntando isto a aulas mais atractivas, em que se põe o aluno a fazer, a trabalhar, a criar – seja um vídeo, um powerpoint, uma entrevista –, enfim, à procura do conhecimento. Havia um pedagogo que dizia que, mais do que uma cabeça cheia – de conhecimentos –, interessa-me uma cabeça que saiba pensar. Acho isto fundamental. Porque, hoje em dia, vivemos numa sociedade em que as pessoas, às vezes, não querem decidir, porque têm receio de ter alguém contra si. Então, vão passando nos intervalos da chuva. Por isso, não digo de que clube é que sou, ou de que partido é que sou. Não quero opinar porque, logicamente, terei pessoas contra mim e outras que, se calhar, até concordam com a minha posição. Mas esta ideia de educar passa muito por aspectos desta natureza.
O uso da tecnologia para fins educativos é hoje um tema incontornável. Por um lado, há quem preveja modelos de ensino com amplo recurso à tecnologia, mas há também quem receie os seus perigos. Neste livro, fala dos limites que considera que os pais devem aplicar aos filhos na utilização dos aparelhos tecnológicos. Acredita que o ensino vai ser feito cada vez mais com a ajuda destes instrumentos?
Sim. Acho que, às vezes, na Educação – e em muitas outras áreas do conhecimento –, queremos transformar as coisas numa questão binária. Por exemplo, trabalhos de casa: é a favor ou contra? Na questão que me está a pôr, é exactamente a mesma coisa. Acho que tem sempre que haver uma coisa que é fundamental, na Educação e em tudo na vida, que é bom senso. A tecnologia veio para ficar, não a podemos ignorar. A tecnologia dentro da sala de aula, pois eu acho muitíssimo bem. Só que não vamos agora cair no exagero de dizer que é tudo tecnológico, e desprezo o papel, desprezo a escrita… Nada disso. A nossa ideia será um equilíbrio. Na sala de aula, aquilo que eu defendo é a tecnologia igual para todos e todos terem o mesmo acesso, porque isso é muito importante. Há pouco tempo, até dava este exemplo numa entrevista, do estudo de Os Lusíadas, que é uma coisa evidentemente difícil de trabalhar. Como nós sabemos, Os Lusíadas evocam um bocadinho a epopeia marítima portuguesa. É, no fundo, o percurso de Portugal até ao Extremo Oriente. E pergunto não seria tão mais fácil sensibilizarmos o aluno na sala de aula através do Google Maps, e mostrarmos exactamente o local que serviu de inspiração para o Camões escrever aquela estrofe. Evidentemente que sim. E, depois, até dei outro exemplo para pôr os alunos a pensar, que isso é que eu acho que é fundamental, e treinar a criatividade, que se chama o pensar fora da caixa. Então, e se Camões tivesse nascido hoje, em 2023, o que é que ele teria para elogiar do que é ser português? Já não seria a epopeia marítima. Não seria a epopeia marítima, então o que é que seria? E isto é uma coisa para pôr os alunos a pensar. Será o Ronaldo, a nossa simpatia? Portanto, a tecnologia dentro da sala de aula, acho que é muito importante. Porque hoje em dia, em face das fake news, é preciso que treinemos o sentido crítico de toda a gente, a começar pelas escolas. E agora, com a inteligência artificial, ainda vai ser pior. Consegue-se pôr políticos a dizer coisas exactamente ao contrário daquilo que eles pensam! Portanto, as potencialidades são enormes, tanto para o lado positivo, como pelo lado negativo. Então, como é que nós fazemos isto? Podemos criar uma “polícia”, mas temos que desenvolver este espírito crítico, confrontar fontes, ver se são credíveis ou não. Isso é muito importante.
E quando é que o uso da tecnologia deixa de ser saudável?
Há um conselho que eu dou aos pais e que também falo neste livro: como é que devo tirar a tecnologia, ou não, das mãos do aluno? Há alguns sinais de alerta. Se aquilo está a virar obsessão e ele não passa sem aquilo, claro que eu tenho de corrigir. Se aquilo lhe está a tirar o sono. A forma dos pais lidarem com isto é regras de utilização. Portanto, ele tem direito, imagine, a uma hora por dia. Se continuam os sinais, então essa hora vai ter que ser reduzida. Se ele já mostra sinais de responsabilidade e de saber gerir os seus impulsos – a tal inteligência emocional –, então vamos alargar o período, porque ele merece. Enfim, isto funciona não só com a tecnologia, mas também, por exemplo, com as saídas à noite. Se ele se mostra responsável, podemos passar para o patamar seguinte. Educar passa muito por este aspecto gradual. Mas não sou a favor de um modelo de Educação em que é só com o papel e acaba-se com a tecnologia, nem só tecnologia e o papel é inimigo. Podemos arranjar um modelo equilibrado, em que a tecnologia vai auxiliar, mas nunca substitui o carácter humano da Educação.