Estátua da Liberdade

Alice no País dos Lusitanos

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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No livro “Alice no País das Maravilhas”, publicado originalmente em 1865, o escritor britânico Lewis Carroll conta a aventura de uma jovem que cai num buraco de coelho e começa uma viagem num mundo surreal e mágico.

A narrativa começa com a Alice a seguir um coelho branco, apressado, num mundo estranho chamado País das Maravilhas. Lá, ela encontra uma série de personagens peculiares, como o Chapeleiro Maluco, a Lagarta Azul, a Rainha de Copas e o Gato de Cheshire, cada um com características e personalidades únicas.

O Chapeleiro Maluco conta então, se bem me recordo, uma história irreal e fantasiosa sobre o Reino das Maravilhas, que fazia parte de uma confederação de reinos e prestava vassalagem a um Imperador.

Mad Hatter costume photography

Era um dos reinos mais pobres; e, por essa razão, o Rei e os seus ministros imploravam a toda a hora por mais dinheiro junto do Imperador, atendendo que os brutais tributos a que o povo era submetido sempre pareciam insuficientes para cobrir as colossais despesas.

É certo que o Imperador também não possuía quaisquer recursos, mas possuía uma incrível máquina que produzia dinheiro, uma autêntica magia! Sempre que os reis pediam dinheiro, a máquina começava a cuspir notas e moedas sem fim; desta forma, o Imperador mantinha os seus vassalos felizes, apesar do descontentamento dos povos da confederação, pois os preços, à conta disso, estavam sempre a subir.

A Corte tinha assim uma vida sumptuosa, o Rei e os ministros viajavam a toda a hora de avião para outros reinos.

De todos, o Rei era o que gostava mais de viajar. Também gostava muito de ir à praia. Por vezes, até fabricava motivos para viagens oficiais para dar um saltinho a um areal e dar um mergulho em águas quentes.

O Rei e o seu principal ministro adoravam trapacear o povo, contando-lhe histórias incríveis para o ludibriar e fazer-lhe crer que o amavam muito. Sempre que se encontravam, riam-se a bandeiras despregadas das muitas patranhas que contavam ao povo. Uma vez, até lhe fizeram crer que existia uma doença muito maléfica, para assim o prender em casa e obrigá-lo a tomar uma substância que diziam curar e prevenir a maleita e salvar desde velhinhos caquéticos a jovens robustos. Disseram-lhe que só assim lhe devolviam a liberdade.

white rabbit standing on grass

Para além de viajar de avião, o Rei também gostava muito de futebol. Muitas vezes, até tinha por hábito jantar com os jogadores uns dias antes das pelejas, só com o fito de lhes desejar sempre boa sorte. Acreditava também que era um amuleto mais eficaz do que o artilheiro de pés de ouro nascido numa recôndita ilha do reino. Às vezes, até gostava de discutir a táctica com o treinador, ficando altas horas da noite em amena cavaqueira, enquanto se alambazava a petiscos e beberes.

Certa vez, na véspera de um jogo importante, talvez por estar demasiado concentrado na partida, até se esqueceu de um compromisso: a abertura de um memorial às vítimas de uns incêndios que tinham ocorrido há muitos anos nas florestas do reino e que vitimaram muitas pessoas. Apesar da negligência dos serviços do reino, o Rei e os ministros nunca assumiram as responsabilidades por tal tragédia.

Espantados com tal ausência, os súbditos pediram uma audiência ao Rei para conhecer os motivos. O Rei não se deixou intimidar. Para espanto de muitos, a sua resposta foi simples e directa: apenas tinha tido conhecimento da abertura oficial, marcada para a semana posterior, pelos órgãos de propaganda do reino, por essa razão, nem à abertura lhe seria possível ir.

Neste Reino das Maravilhas, não era apenas o Rei que apreciava muito o futebol. O seu principal ministro também. Por exemplo, certa vez, a meio da viagem de avião ao reino dos moldavos, decidiu fazer uma escala para ir assistir a uma partida de futebol, o que gerou muita indignação, pois estas viagens, para além de serem muito dispendiosas, eram sempre pagas pelo povo.

Mas o Rei tinha sempre uma boa história. Para terminar com aquele burburinho, disse que nada de especial tinha acontecido, apenas a falta de gasolina a meio da viagem; por mera coincidência, ocorrera ali uma partida de futebol e o seu ministro aproveitou para passar o tempo e dar um abraço a um súbdito especial que ali estava, enquanto o avião era reabastecido. Coisa de meia hora.

Mas a revolta não cessava, com muitos a questionarem-se como tal tinha sido possível, pois parecia-lhes improvável um ministro tão experiente não ter instruído correctamente os pilotos no planeamento da dita viagem. Para acalmar os seus súbditos, disse-lhes que afinal não tinha sido falta de gasolina, mas apenas uma decisão de última hora do seu ministro; afinal, tal como o Rei, ele gostava muito de futebol.

A agitação teimava em continuar no Reino das Maravilhas. Tinha sido a falta de gasolina ou uma decisão de última hora? As dúvidas persistiam. O ministro, a pedido do Rei, informou os súbditos que o seu gabinete ia dar uma justificação cabal sobre o assunto. Passados uns dias, ela apareceu: tinha recebido um convite para o jogo de futebol e decidira aceitar, atendendo que apenas obrigava a uma paragem a meio do caminho.

O povo, obnóxio e arruinado por avultados impostos, tinha aprendido uma lição. O Rei e os ministros necessitavam de divertir-se para lhes proporcionarem um bom governo. Tão-só. Não valia a pena levantar dúvidas ou solicitar explicações, no final, era claro que existia sempre um fundo nobre a guiar todas as decisões: o eterno amor ao futebol, essencial ao espírito de uma boa governação.

group of people playing soccer on soccer field

Para além destes contos mirabolantes do Chapeleiro Maluco, recordo-me que, no livro de Lewis Carroll, a Alice depara-se com mais situações absurdas e ilógicas. Ela encolhe e cresce de tamanho várias vezes, participa de um chá insano com o Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março, joga com flamingos e ouriços e testemunha um julgamento maluco conduzido pela Rainha de Copas.

Durante a sua jornada, Alice tenta entender as regras e a lógica desse mundo estranho, mas descobre que tudo parece estar ao contrário daquilo a que está habituada. As conversas com os personagens levam-na a questionar conceitos de identidade, linguagem, realidade e lógica.

Finalmente, Alice acorda e percebe que tudo o que aconteceu foi um sonho: afinal, tinha sido uma visita fantasiosa ao País dos Lusitanos.

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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