DGS paga três artigos ao Expresso sobre tema noticiado de borla pela outra imprensa

Graça Freitas compra notícias em contrato forjado para divulgar Plano Nacional de Literacia em Saúde

por Pedro Almeida Vieira // Julho 14, 2023


Categoria: Imprensa

minuto/s restantes

A Direcção-Geral da Saúde quis garantir a cobertura do lançamento de um plano estratégico governamental sobre literacia em saúde, e achou que seria boa ideia pagar a um jornal, o Expresso, mesmo se houve outros órgãos de comunicação social que acorreram ao evento em Mafra. Mas, além da ilegalidade da compra de notícias, Graça Freitas, a ainda directora-geral da Saúde, assinou o contrato público já depois do evento, com um prazo de execução de 19 dias. O falso contrato pode ser considerado nulo pelo Tribunal de Contas.


A Direcção-Geral da Saúde (DGS) pagou 12.000 euros à Impresa para que o Expresso fizesse a cobertura noticiosa, incluindo filmagens, do lançamento do Plano Nacional de Literacia em Saúde. Mas utilizou um contrato forjado, assinado duas semanas depois com um prazo de execução de tarefas que, afinal, já se tinham concretizado. Contratos desta natureza são, geralmente, considerados nulos pelo Tribunal de Contas.

O evento oficial deste plano estratégico do Governo alegadamente de combate à desinformação ocorreu no passado dia 14 de Junho, no Palácio de Mafra, sendo transmitido pelas redes sociais do Expresso, e contou com a cobertura noticiosa da generalidade da imprensa nacional generalista, nomeadamente da Antena Um, Público, Jornal de Notícias, Observador e Novo.

Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Pagou ao Expresso para a cobertura de evento oficial, fora do prazo.

Mas enquanto os outros órgãos de comunicação social terão feito as suas notícias sem contrapartidas financeiras, o Expresso beneficiaria de um contrato no valor de 12.000 euros respeitante à “aquisição de serviços para apresentação do Plano Nacional para a Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030”, de acordo com o contrato publicado na passada segunda-feira no Portal Base.

Embora o caderno de encargos esteja ausente – para se perceber quais os compromissos editoriais do Expresso a executar para promoção de um plano estratégico do Governo socialista –, o contrato foi assinado por Graça Freitas (embora o seu nome tenha sido apagado) no dia 26 de Junho, ou seja, 12 dias após o evento, estipulando-se também, falsamente, que o prazo de execução seria de 19 dias. Portanto, terminaria hoje.

Porém, o PÁGINA UM detectou três notícias – todas publicadas na ambígua secção Projectos Expresso, da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes – sobre o objecto do contrato. A primeira notícia paga pela DGS ao Expresso foi publicada no dia 12 de Junho, com o título “Três em cada dez portugueses têm baixo nível de literacia em saúde”, e além de remeter para o evento de Mafra, antecipava resultados de um estudo sobre os conhecimentos nesta temática.

Evento em Mafra, no dia 14 de Junho, teve cobertura de vários órgãos de comunicação social, mas Expresso teve brinde de 12 mil euros para escrever notícias favoráveis.

A segunda notícia com base num pagamento da DGS ao Expresso – sem o qual não haveria a garantia de ser publicado – consistiu na cobertura do evento propriamente dito, no dia 14, tomando o título “Mais informação não significa mais prevenção. É preciso outra linguagem”

Por fim, a terceira notícia mercadejada entre a DGS e o Expresso foi publicada em 16 de Junho, sendo uma compilação em texto e vídeo das declarações dos protagonistas do evento sobre literacia em saúde, contando com intervenções do subdirector-geral da Saúde, André Peralta-Santos e de duas técnicas superiores desta entidade estatal.

Saliente-se que o jornalista Francisco de Almeida Fernandes é uma das 14 pessoas identificadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social por ter escrito conteúdos comerciais com carteira profissional de jornalista. Almeida Fernandes é, aliás, um dos mais requisitados jornalistas na escrita daquilo que se denomina de “publicidade redigida”, ou seja, textos que surgem à luz da compreensão dos leitores como notícias mas que são, afinal, pagas por um interessado, que pode mesmo ser, por vezes, o Governo ou farmacêuticas.

man sitting on chair holding newspaper on fire

A publicidade redigida ou outras formas de comercialização de textos jornalísticos é ilegal perante a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Porém, apesar de ser uma prática cada vez mais frequente, e feita à descarada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista mostra-se impávida e serena.

O PÁGINA UM tentou obter o comentário da directora-geral da Saúde, Graça Freitas, sobre a ilegalidade do seu contrato e sobre a necessidade de pagar notícias sobre um tema que, previsivelmente, teria cobertura, como teve, de outros órgãos de comunicação social. Não chegou ainda qualquer resposta.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.