Recensão: As mães

O passado que nos assombra

por Maria Carneiro // Agosto 11, 2023


Categoria: Cultura

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Título

As mães

Autora

BRIT BENNETT (tradução: Eugénia Antunes)

Editora

Alfaguara (Maio de 2023)

Cotação

18/20

Recensão

O livro começa no final. Numa comunidade negra e cristã no sul da Califórnia, Nadia Turner, uma jovem bonita, obstinada e ainda a sofrer pelo recente e inexplicável suicídio da mãe, envolve-se com o filho do pastor de uma das igrejas da localidade, Luke Sheppard.

Aos 21 anos, Luke é um ex-atleta que trabalha como empregado de mesa num restaurante, depois de ter sofrido uma grave lesão numa perna que o afastou do campo de futebol, onde estava a ter uma carreira brilhante, e que o impede de seguir para a universidade, como pretendia, com uma bolsa de estudo.

Dessa relação, resultou um segredo que vai marcar todo o romance e que dita o fim do relacionamento. Depois do afastamento dos dois, aparece a figura da doce Aubrey Evans, completando o conflituoso triângulo amoroso. Após o afastamento de Luke, Nadia e Aubrey tornam-se as melhores amigas, mas quando Nadia deixa a cidade para ir para a Universidade, Aubrey e Luke envolvem-se sem que Aubrey saiba do segredo do passado do namorado e da melhor amiga.

As ramificações que se seguem vão acompanhar as três personagens, desde o fim da adolescência até o início da vida adulta, exercendo um impacto e ondas de choque capazes de influenciar as suas trajetórias de vida durante muito tempo, mesmo depois de passados os seus anos de juventude. Anos depois, eles ainda vivem à sombra das escolhas da juventude e da insistente dúvida: e se tivessem agido de forma diferente? As possibilidades dos caminhos não escolhidos tornam-se uma sombra implacável.

Mas o que dá nome a este livro não é nenhuma destas personagens, e sim um grupo peculiar de senhoras que frequentam a Upper Room, a Igreja. Elas aparecem no livro em capítulos intercalados, quase como um coro grego a reforçar as opções ou não-opções das personagens e formam, como uma entidade, uma personagem em uníssono: os trechos em que elas aparecem são narrados na primeira pessoa do plural, e esse "nós" traz-nos a sensação de que elas são todas, mas também nenhuma.

A história de Nadia é, assim, emoldurada por esse coro de vozes das alcoviteiras anciãs da igreja que servem de polícia da moralidade da comunidade:

“Nós já fomos jovens. Embora não pareça. É claro, quem nos vê hoje nem imagina como éramos - a flexibilidade e o vigor já se foram, a pele do rosto e do pescoço caiu. É o que acontece quando envelhecemos. Tudo cai, como se o corpo estivesse a aproximar-se de onde veio e para onde vai voltar. Mas já fomos novas e bonitas, e isso significa que já amámos homens de merda. Não há maneira cristã de dizer isso. Existem dois tipos de homens no mundo: homens de verdade e homens de merda." 

Observadoras, contam-nos, nas suas narrativas, factos que muitas vezes ainda não eram muito claros para nós, leitores, ou revelam partes do passado das personagens, recordando-as enquanto conversam.

Na pequena comunidade onde todos sabem da vida de todos, As mães sabem-na melhor que ninguém. As mães acompanham a história da mãe de Nadia sem compreender o seu suicídio; acompanham a ida de Nadia para a Universidade, assim como a sua longa ausência; acompanham o relacionamento de Luke e Aubrey e o seu desejo de terem um filho, e assim vão entrelaçando os fios das histórias de todos numa história extremamente profunda e comovente. 

As mães é um livro sobre as consequências das nossas escolhas e a forma como estas moldam os nossos caminhos.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

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