GLOBAL MEDIA GROUP PERDEU 42,3 MILHÕES EM SEIS ANOS MAS VIVE COMO SE NADA FOSSE

Para pagar aos sócios, dona do Diário de Notícias deu calote de 7 milhões de euros ao Estado

Close-up of Man Holding Coins in Hand

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 4, 2023


Categoria: Imprensa

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Sem reacção do Governo, os grupos de media estão a aumentar livremente as suas dívidas ao Estado. Depois da revelação do PÁGINA UM na semana passada de que a Trust in News, a dona da revista Visão, está com uma dívida ao Estado de 10,4 milhões de euros, com aumentos da ordem dos 3 milhões ao ano, agora descobriu-se que também a Global Media Group seguiu o mesmo diapasão. No ano passado, a dívida do grupo de media controlado por Marco Galinha subiu para os 10 milhões de euros, valor não revelado no Portal da Transparência dos Media. E com uma agravante peculiar: o aumento no calote público em 2022, da ordem dos 7,1 milhões de euros, foi porque a administração da Global Media Group optou por devolver esse montante aos sócios, para lhes reembolsar empréstimos remunerados. O Ministério das Finanças continua em silêncio sobre o “milagre” que permite a empresas de media portuguesas aumentar os calotes ao Estado.


A Global Notícias Media Group – dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e da TSF, entre outros órgãos de comunicação social – aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

De acordo com a análise à evolução financeira do grupo de media liderado por Marco Galinha – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida ao Estado aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

Dona do Diário de Notícias acumula prejuízos de 42,3 milhões de euros desde 2017. O calote ao Estado aumentou 7,1 milhões em 2022, e ninguém quer falar sobre o assunto.

A Global Media Group não consta da lista dos devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Ministério das Finanças, apesar das insistências do PÁGINA UM, esclareceu se existe, neste momento, alguma “carta de conforto governamental” que permite aos grandes grupos de media incumprir as obrigações fiscais, aumentando de forma descontrolada os calotes ao Estado. A situação é ainda mais estranha porque a Global Media Group e as suas subsidiárias têm continuado a assinar bastantes contratos com entidades públicas e autarquias para a prestação de serviço, sendo que, por regra, os pagamentos somente podem ser efectuados se a situação fiscal e de Segurança Social estiver regularizada.

Recorde-se que, na semana passada, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Activa e Caras, entre outros títulos até 2017 pertencentes à Impresa – acumula uma dívida ao Estado da ordem dos 10,4 milhões de euros, estando esta a subir a um ritmo superior a 3 milhões por ano. Isto sem qualquer intervenção fiscal conhecida.  

No caso da Global Media Group, apesar da situação financeira aflitiva, a que juntaram prejuízos no ano passado de quase 2,2 milhões de euros, a sua administração não teve pejo em autorizar a devolução de uma parte dos empréstimos dos seus sócios à própria empresa, que atingiam os 21,8 milhões de euros em 2021. Observando o balanço de 2022, essa rubrica desceu para os 14,7 milhões de euros, significando assim que, ao longo do ano passado, os seus sócios conseguiram recuperar empréstimos – remunerados a taxa desconhecida, uma vez que não deram entrada como capital social nem como suprimentos no capital próprio – no valor de 7,1 milhões de euros.

Apesar das dívidas ao Estado, os órgãos de comunicação social da Global Media Group continuam a estabelecer parcerias comerciais com entidades públicas para a realização de eventos executados por jornalistas.

Ou seja, em termos práticos, a administração da Global Media Group – que não respondeu ao PÁGINA UM – decidiu, entre pagar 7,1 milhões de euros de impostos (e eventualmente taxas) ao Estado ou desviar esses mesmos 7,1 milhões de euros para os seus sócios, optar pela segunda opção.

Esta escolha enquadra-se num cenário de assustador colapso desta empresa, que, embora com grandes movimentações na estrutura accionista nas últimas semanas, bem patentes em diversos indicadores económicos. Os prejuízos acumulados desde 2017 – portanto, nos últimos seis anos – totalizam mais de 42,3 milhões de euros. Esta sangria tem estado a reflectir-se na própria capacidade de investimento, tanto mais que o capital próprio da empresa está a definhar a olhos vistos.

Mesmo com uma recente injecção em numerário, no passado dia 14 de Julho, de cerca de 1,56 milhões de euros, com a emissão de 417.792 novas acções, a Global Media Group tem agora um capital social de 9,3 milhões de euros. Em 2017, o capital (social) realizado era de quase 28,8 milhões de euros, e o total do capital próprio até ultrapassava os 31,4 milhões de euros.

Para mostrar o estado deplorável das contas da dona do Diário de Notícias, antes do recente aumento de capital, o ano de 2022 acabara com capitais próprios inferiores a 5,7 milhões de euros, por causa dos constantes prejuízos anuais.

Marco Galinha, no Fórum da Sustentabilidade e Sociedade, organizado em Maio pela Global Media Group em parceria com a Galp, a CGD, a Fundação INATEL, o Grupo Bel e a Câmara Municipal de Matosinhos. Sustentabilidade financeira é algo que se vê pouco nesta empresa de media.

Em resultado desta situação, os activos da empresa estão a esfumar-se de forma galopante. Em 2017, a empresa detinha activos no total de 98,3 milhões de euros, sendo que 32% eram assegurados pelo capital dos sócios e apenas 3,5% do passivo respeitava a dívidas ao Estado. Naquele ano, não havia qualquer valor respeitante a empréstimos de sócios.

Com a evolução dos últimos anos, o cenário tornou-se dramático: o total do activo diminuiu mais de 38%, passando para apenas 60,5 milhões de euros. Ou seja, esfumaram-se 37,8 milhões de euros. Além disso, o peso do capital próprio desceu para pouco mais de 9% do activo, quando era de 32% em 2017. Na verdade, a parte detida pelo Estado, por via da dívida de 10 milhões de euros, é quase o dobro do capital dos sócios, representando 18,2% do passivo total.

Este peso do passivo detido pelo Estado – leia-se, calote público – deveria ter sido registado pela Global Media Group no Portal da Transparência dos Media, mas tal não ocorreu como obriga a lei quando uma entidade ou pessoa detém mais de 10% do total. O PÁGINA UM contactou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, responsável pela gestão deste portal e pela fiscalização sobre a veracidade dos dados económicos dos media, mas não houve qualquer reacção. Já na semana passada, o regulador dos media nada disse sobre as falhas de informação relevante na Trust in News, que tem 42% do seu passivo detido pelo Estado, sob a forma de calote público.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social a ver navios: sucedem-se os casos de empresas de media que mentem nos registos de transparências sobre indicadores financeiros. Nada acontece.

No caso da Global Media Group, a interpretação às demonstrações financeiras desde 2017 levam a concluir que a estratégia dos diversos sócios tem sido de não “enterrar” dinheiro na empresa através de entradas no capital social, onde se mostra depois muito complexo a retirada. Por isso, as “injecções” têm sido efectuadas sobretudo através de empréstimos (remunerados), cuja recuperação se torna mais rápida, bastando uma simples decisão de gestão.

Assim, se nos anos de 2017 e 2018 não se registam empréstimos de sócios, em 2019 atingiram os 21,8 milhões de euros, período que antecedeu o “desastre” contabilístico e financeiro. Em 2020, o reconhecimento de imparidades em quase 13,7 milhões de euros, contribuiu muito para prejuízos, apenas nesse ano, próximos de 17,7 milhões de euros.

Em todo o caso, os empréstimos em 2019 parecem ter servido sobretudo para suprir problemas de tesouraria, porque no final de 2020 apenas restavam 3 milhões de euros de empréstimos à empresa por parte dos sócios. No entanto, a entrada de Marco Galinha e do Grupo Bel coincidiu com uma nova entrada de dinheiro, mas mais uma vez sobretudo através de empréstimos. O ano de 2021 terminou com empréstimos dos sócios de 21,8 milhões de euros, que desceu, como se disse, para os 14,7 milhões, porque a administração da Global Media Group considerou mais importante devolver dinheiro aos sócios do que pagar impostos.

Fernando Medina, ministro das Finanças, ainda não explicou ao PÁGINA UM com que artes as empresas de media podem acumular dívidas ao Estado, não serem incomodadas e continuarem a receber pagamentos em contratos públicos. Mistério mantém-se há duas semanas.

Um outro indicador com evolução preocupante é o das participações financeiras da Global Media Group, onde se inclui a quota na Agência. As participações financeiras chegaram a valer, e a ser assim contabilizadas no balanço, cerca de 24,5 milhões de euros, mas agora cifram-se em pouco mais de 10,3 milhões. Caso seja vendida a quota da Agência Lusa, esse valor diminuirá, podendo servir para, basicamente, pagar os 14,7 milhões de euros ainda a haver pelos sócios.

Porém, uma venda da participação financeira respeitante à Agência Lusa poderá ser o último anel a ser vendido, uma vez que é um dos poucos activos da Global Media Group a dar lucro: a agência noticiosa deu um lucro de quase 570 mil euros no último ano. Pode parecer pouco, mas para uma empresa como a Global Media Group destaca-se pela positiva, uma vez que só se vêem números a vermelho há muitos anos.

Tudo isto sucede também numa altura em que a Palavras de Prestígio, uma das sócias da Global Media Group, detida pelo Grupo Bel de Marco Galinha, notificou a Autoridade da Concorrência de que chegou a acordo com a Cofina para a compra de 50% da distribuidora VASP, por um valor não revelado. Em todo o caso, para a concretização do negócio, deve ter dado jeito não pagar os 7,1 milhões de euros ao Estado no ano passado.

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