Recensão: Os meus homens

O incrível destino de Belle Gunness

por Maria Carneiro // Agosto 17, 2023


Categoria: Cultura

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Título

Os meus homens

Autora

VICTORIA KIELLAND (tradução: João Reis)

Editora (Edição)

Dom Quixote (Julho de 2023)

Cotação

17/20

Recensão

Este livro é estranhíssimo. Embora escrito na terceira pessoa, deve ler-se, na sua maior parte, como um monólogo louco, desesperado e perturbador de uma mulher com problemas de saúde mental que, amiúde, nos traz um discurso desconexo que temos dificuldade em seguir.

“O corpo de Nellie era tão quente e macio, ela cheirava tão bem, e Brynhild deixou-se tombar para dentro, agarrou-se mais e mais à irmã e Nellie não a soltou. Algo na visão que Brynhild teve naquele momento, nos braços de Nellie, virou tudo de cabeça para baixo, a libertação selvagem, esse sentimento repentino, ela só queria agarrar-se a Nellie para nunca mais a soltar. Brynhild sentiu a respiração desdobrar-se no corpo, como se todas as asas de borboleta lhe arrancassem a alma pela boca, como se conseguisse finalmente respirar e ao ar abrisse caminho até aos pulmões.”

Brynild é a protagonista, e durante a narrativa muda o seu nome, primeiro para Bella, e depois para Belle, numa busca desesperada de se tornar alguém novo e começar de novo. Nellie é uma sua irmã que vive nos Estados Unidos, para onde Brynild vai depois de uma experiência traumática que viveu na Noruega, sua terra natal, por volta de 1880. 

Os factos são baseados na história real de uma mulher, muitas vezes referida como “a primeira assassina em série da América”, Lady Barba Azul, Princesa do Inferno e a viúva negra de La Porte. A sua notoriedade já lhe valeu um lugar no Guinness e fascinou fãs de crimes. Inspirou baladas, panfletos e livros de não-ficção, alguns filmes e documentários, e pelo menos um longo romance. Agora, a escritora norueguesa Victoria Kielland pegou na história e dá-nos uma visão nova da mesma. 

Depois de um breve período a viver com a irmã, casa-se com um norueguês, Mads Sørensen, e mata-o. Depois casa-se com Peder Gunness, outro norueguês, mata-o também. Depois de Peder, começa a publicar anúncios em jornais atraindo homens solitários e com posses e vai matando-os, um a um, e enterrando os restos desmembrados no quintal.

Victoria Kielland é brilhante em descrever pequenos momentos quotidianos que, numa mente deprimida, se transformam num desespero avassalador.

“As recordações eram como uma sopa branca atrás dela, faziam um som de sucção sempre que ela mexia a cabeça, a pura morte por afogamento. (…) A luz que a encadeava entrava pela janela, caía sobre todas as coisas, deixava à vista pó e moscas, deixava tantas coisas à vista que Bella sentiu uma náusea e, no meio de um pântano como uma vegetação luxuriante e canais construídos com represas, no meio de braços e pernas, com os olhos no meio da cara, Bella não mais aguentou.”

Não é uma leitura fácil nem confortável e é cansativo estar dentro da cabeça de Belle. Os mesmos detalhes e imagens surgem repetidamente, numa vertigem da loucura que vai aumentando à medida que os acontecimentos se sucedem.

Apesar da brutalidade de algumas páginas, trata-se de um romance até poético e comovente e damos por nós a tentar desculpabilizar a protagonista e a tentar perceber as razões que a levaram a atos tão violentos na sua busca insaciável do amor.

A tradução de João Reis é, como habitualmente neste tradutor, exímia e cuidada.

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