Jornal promoveu autarcas que pagaram festa dos 50 anos

Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 28, 2023


Categoria: Imprensa

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É mais um caso de promiscuidade e sobretudo de falta de transparência. Mas desta vez com uma dose de ironia: em Julho, no âmbito das comemorações dos 50 anos, o jornal Expresso “esqueceu-se” de informar que um debate sobre desinformação foi pago pelo anfitrião, a Fundação Inatel, sob a forma de contrato de prestação de serviços, que surgiu na semana passada no Portal Base. O presidente do INATEL foi também um dos oradores. Mas este não foi o único caso de dinheiros públicos em eventos que o Expresso assumiu só ter patrocinadores privados. Saiba quem foram os autarcas que, a troco de dinheiro, tiveram a sua imagem promovida no Expresso, de mão dada (ou de tuk-tuk) com o seu director.


Não se pode dizer que não houve oportunidade. No passado mês de Julho, por três vezes nas suas páginas virtuais e uma vez na edição em papel do dia 21, no seu caderno semanal de Economia, o Expresso destacou um debate em Évora assaz oportuno: “inteligência artificial e desinformação”. Mas em nenhuma dessas oportunidades de um debate sobre desinformação, o jornal do Grupo Impresa deu a informação aos seus leitores de que a Fundação INATEL – instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – pagou 19.500 euros para a realização do evento.

Apesar do INATEL ter a sua actividade focada em actividades de ocupação de tempos livres – gerindo também 17 unidades hoteleiras, um parque de jogos, vários pavilhões desportivos e o Teatro Trindade, em Lisboa –, o Expresso também incluiu na lista de participantes deste debate sobre desinformação o presidente daquela instituição, Francisco Madelino, que está longe de ser especialista em inteligência artificial ou desinformação. Presidente da Fundação INATEL desde Janeiro de 2016, Madelino é sim especialista em teoria económica e Economia portuguesa e europeia, tendo sido presidente do Instituto de Políticas Públicas e Sociais do ISCTE. A sua presença ter-se-á devido, assim, não apenas ao financiamento do evento como também à cedência do espaço, o Palácio do Barrocal, sede naquela cidade alentejana.

Comemorações dos 50 anos do Expresso: o jornal “esqueceu-se” de informar os leitores que não havia só patrocinadores privados. Também houve dinheiros públicos.

Não se pode, porém, provar documentalmente que a presença de Francisco Madelino tenha sido uma contrapartida do pagamento da verba, porque o contrato por ajuste directo foi feito sem qualquer papel.

De acordo com o Portal Base, o contrato para “aquisição de serviços para organização da iniciativa da Conferência Inteligência Artificial e Desinformação: os novos desafios para a opinião Pública” (sic) – com data de 11 de Julho, dois dias antes do evento, mas apenas publicado há uma semana – não foi reduzido a escrito.

As duas entidades recorreram, para tal, a um regime de excepção previsto no Código dos Contratos Públicos que possibilita que nada seja assumido por escrito se se considerar que “o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços (…) ocorrer integralmente no prazo máximo de 20 dias a contar da data em que o adjudicatário comprove a prestação da caução ou, se esta não for exigida, da data da notificação da adjudicação”, “a relação contratual se exting[ue] com o fornecimento dos bens ou com a prestação dos serviços” e “o contrato não esteja sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”.

Expresso fez extensa cobertura do evento pago pela Fundação INATEL, nunca referindo que o apoio foi financeiro, envolvendo também convite ao presidente desta instituição tutelada pelo Governo.

Mas essa, saliente-se, é uma opção das partes envolvidas. As empresas de media – cujos jornalistas muitas vezes criticam a existência de contratos por ajuste directo por entidades públicas – têm, contudo, estabelecido nos últimos tempos diversos contratos desta natureza: ajustes directos e muitos até sem acordo escrito.

Num artigo de antecipação ao debate – curiosamente com a data em que se estabeleceu o contrato, o que denota que já havia uma combinação prévia –, a jornalista do Expresso, Marina Almeida (CP 1753), nunca faz referência ao financiamento do INATEL, apenas revelando, além do tema e participantes, que a iniciativa é conjunta (Expresso e Fundação INATEL) e que “a abertura dos trabalhos estará a cargo de Francisco Madelino, Presidente do INATEL”.

Um dia depois do debate, a mesma jornalista Marina Almeida publicou um texto no Expresso, de cobertura do evento, e faz três referências ao INATEL: duas destacando ter sido a entidade que “acolheu” o debate, e outra para citar um chavão do presidente Francisco Madelino: “sem informação livre não há democracia”.

Evento foi divulgado pelo INATEL como sendo uma parceria, ou seja, sem referência a qualquer pagamento.

O título do artigo assinado pela jornalista Marina Almeida – numa estranha secção denominada “Iniciativas e Produtos” – acaba por ser algo irónico neste contexto: “Nas notas de rodapé está uma das armas contra a desinformação”, porque nem em nota de rodapé surge a referência a um evento pago por um dos intervenientes, e ainda mais com o director do jornal que presta o serviço em pessoa.

A jornalista do Expresso também cita o seu director, João Vieira Pereira, salientando que focou a sua intervenção nas práticas jornalísticas, salientando que o responsável editorial do jornal “disse que os jornalistas são especialistas em desinformação, e que lidam em permanência com fontes que têm agendas”.

Mais adiante, acrescenta que “o diretor do Expresso referiu ainda que há vários órgãos de comunicação social em Portugal com uma situação frágil, e isso também coloca em risco a democracia”, e cita João Vieira Pereira: “tem de haver uma reflexão não política sobre como financiar os órgãos de comunicação social”. Não consta que tenha havido reflexão sobre questões éticas relativas a um evento sobre desinformação ser pago pelo anfitrião (INATEL) sem que nenhuma informação surja sobre esse pagamento.

Quatro dias mais tarde, o Expresso destacou também declarações de todos os intervenientes no debate, com excepção de João Vieira Pereira: além de Francisco Madelino e do colunista Henrique Raposo, também foram gravados em vídeo os depoimentos de Manuel Carvalho da Silva, ex-homem forte da CGTP e investigador da Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de um especialista em marketing (Gustavo Miller) e do director-geral da GFK Metris (António Gomes).

E, por fim, a quarta referência ao evento pago pela Fundação INATEL sobre desinformação surgiu em papel, no dia 21 de Julho, no caderno de Economia, na ambígua secção de Projetos Expresso, já alvo de análise crítica da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que resultou no levantamento de um processo de contra-ordenação em curso. Neste texto, igualmente assinado pela jornalista Marina Almeida, a Fundação INATEL surge como entidade que concedeu “apoio” – sem referência a pagamento – de um roadshow de conferências e exposições associadas às comemorações dos 50 anos do Expresso. E com financiamento público.

Com efeito, a exposição Expresso 50 anos, acompanhada também por debates, percorreu as capitais de distrito, naquilo que o jornal afirmava servir como “convite à leitura, à celebração do jornalismo, e à descoberta da história”, sendo então inicialmente apontadas como patrocinadores as empresas Altice, BPI, Hyundai, JC Decaux e Navigator, para além da Antarte, que produzia um banco de jardim para marcar o evento. Explicitamente, não surge na lista nenhuma entidade pública.

João Vieira Pereira, director do Expresso desde 2019. Até de tuk-tuk andou com autarcas,

Porém, também aqui o Expresso não informou os seus leitores com a verdade – ou seja, houve desinformação. De acordo com um levantamento do PÁGINA UM ao Portal Base, o Expresso fez pelo menos contratos com as autarquias da Guarda, Viana do Castelo e Leiria no âmbito das suas comemorações, tendo como contrapartida implícita e explícita a exposição mediática do presidente da câmara que concedeu apoio financeiro.

No caso de Leiria, o contrato foi assinado em Fevereiro deste ano, no total de 14.950 euros, e refere-se a uma prestação de serviços com vista à publicação do município na edição dos 50 anos do Jornal Expresso”. O evento ocorreu porém apenas no passado dia 1 de Junho, sendo a jornalista Marina Almeida a “prestadora de serviços”, que cobriu a inauguração da exposição com direito a três fotografias do director do Expresso sempre ao lado do presidente da edilidade, o socialista Gonçalo Lopes.

Em Março, para ter também a presença de Francisco Pinto Balsemão e João Vieira Pereira, o município da Guarda desembolsou 18.500 euros para que o seu presidente, Sérgio Costa (sem filiação partidária), tivesse uma conferência e uma notícia no Expresso sobre o evento com direito a foto ao lado do seu fundador. O contrato não foi redigido a escrito.

Luís Nobre (à esquerda), presidente da autarquia de Viana do Castelo, pagou 19.800 euros por uma publirreportagem no Expresso, feita por uma jornalista, como contrapartida da exposição comemorativa dos 50 anos do jornal dirigido por João Vieira Pereira (à direita)

Por fim, em Junho, também João Vieira Pereira esteve em Viana do Castelo a cortar fitas e a andar de tuk-tuk ao lado do presidente daquela edilidade nortenha, o socialista Luís Nobre, para inaugurar mais uma exposição sobre os 50 anos do Expresso. Houve direito a notícia no Expresso e ao correspondente “cheque” recebido da autarquia no valor de 19.800 euros.

Neste caso não houve evento; apenas um contrato puro e duro de “prestação de serviços relativa à aquisição de um package promocional em Viana do Castelo”, cujo caderno de encargos estipulava que se deveria concretizar através de uma publirreportagem em página ímpar do caderno principal do Expresso e também no site. Quem fez a prestação de serviços sob a forma de publirreportagem foi a jornalista Marina Almeida, em claríssima e inequívoca violação do Estatuto do Jornalista.  

Saliente-se que mais contratos podem ter sido assinados, uma vez que, por vezes, decorrem vários meses até as entidades públicas os divulgarem no Portal Base, apesar da lei determinar que, por norma, sejam publicitados no prazo de 20 dias.

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