Centro nevrálgico de coordenação das operações é "vigiado" por empresa que sacou 2,1 milhões em contratos desde 2021

Cúpula das Forças Armadas gasta 90 mil euros por mês em segurança e vigilância privada

por Pedro Almeida Vieira // Agosto 30, 2023


Categoria: Exame

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Em casa de ferreiro e de cozinheira, afinal o espeto é de pau e até se contrata empresa externa para meter a carne no assador. No Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), que serve para proteger a soberania dos portugueses, há instalações sensíveis para a segurança interna a serem vigiadas por empresas privadas, como sucede com o Reduto Gomes Freire, em Oeiras, a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares. Também o Hospital das Forças Armadas tem contado com vigilância privada. Esta opção de “caçar com gato” é bastante recente, tendo sido alimentada sobretudo pelo almirante Silva Ribeiro, que deixou o EMGFA em Fevereiro deste ano. Desde 2021, à conta desta opção gastou-se quase 3 milhões de euros.


O Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) gastou, desde 2021, quase 2,9 milhões de euros em 43 contratos de vigilância privadas das suas instalações, incluindo as do seu Instituto de Apoio Social (IASFA). O montante em causa contrasta com apenas 23 contratos nos 10 anos anteriores (2011-2020) que totalizaram apenas 1,4 milhões de euros. Ou seja, em termos médios, o EMGFA passou de um gasto médio mensal de cerca de 12 mil euros no período de 2011-2020 para um gasto médio mensal quase oito vezes superior. Em média, nos 32 meses que passaram desde Janeiro de 2021, os gastos em segurança privada ultrapassam os 90 mil euros por mês.

De acordo com o levantamento do PÁGINA UM aos contratos assinados pelo EMGFA e pelo IASFA desde 2011, verifica-se que foi sobretudo com a entrada em funções do almirante Silva Ribeiro como chefe de estado-maior general das Forças Armadas que os contratos de vigilância e segurança privada floresceram num sector onde, para além de questões de segurança nacional e até pelo simbolismo, não seria suposto existirem.

Uma casa de militares afinal vigiada por uma empresa privada. EMGFA não explica se há critérios para assegurar protecção de matéria sensível.

E foi logo desde o início. No próprio dia da tomada de posse de Silva Ribeiro – que antes estivera na cúpula da Armada, agora ocupada por Gouveia e Melo –, em 1 de Março de 2018, foi logo assinado um contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, com a empresa Ronseguir no valor de 372.043 euros, para a vigilância e segurança das unidades de apoio do Reduto Gomes Freire, do Instituto Universitário Militar e do Campus de Saúde Militar.

Convém, no entanto, referir que a vigilância privada a estas instalações militares, de grande sensibilidade, começara em 2016, com a contratação da Securitas para o Reduto Gomes Freire, através de um contrato de 50.368 euros, que obteve outro ainda em 2017, no valor de 49.565 euros.

Ainda em 2017, durante o mandato do general António Pina Monteiro – que ocupou as funções entre 2014 e o início de 2018 – já fora determinado contratar por cerca de 213 mil euros a empresa Ronsegur para, por nove meses, prestar serviços de segurança e vigilância para o Reduto Gomes Freire.

Saliente-se que estas instalações militares, localizadas em Oeiras, funcionaram até finais de Dezembro de 2012 como Comando de Forças da NATO, sendo actualmente a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares do EMGFA, o centro nevrálgico de coordenação das intervenções dos três ramos das Forças Armadas. E têm estado sistematicamente a ser vigiadas, as entradas e saídas, por esta empresa privada sedeada em Santa Maria da Feira.

Pólos de Lisboa e do Porto do Hospital das Forças Armadas começou a ter vigilância privada desde 2021.

O contrato mais recente, explicitamente destinado apenas ao Reduto Gomes Freire, no valor de quase 333 mil euros, foi assinado em Julho do ano passado, com duração de 12 meses, prevendo um pagamento horário por serviços de vigilância e segurança para a Unidade de Apoio entre 8,28 euros e 16,73 euros, em função do dia de semana e do horário. Ainda não foi publicado o contrato que terá sido assinado já este ano.

Contudo, foi sem dúvida durante o mandato do almirante Silva Ribeiro que se “institucionalizou” a contratação de serviços privados de vigilância e segurança privada para instalações do EGMFA e do IASFA. De entre os 66 contratos de segurança privada destas duas entidades publicadas no Portal Base, contabilizam-se 47 durante o seu mandato. E se no seu primeiro dia de mandato (1 de Março de 2018) se assinou um contrato com a Ronsegur, também no último (28 de Fevereiro de 2023) se assinou outro com a Ronsegur, no valor de 60.985 euros, mas neste caso para a vigilância de instalações do IASFA durante dois meses. No total, nos cinco anos do seu mandato, foram assinados contratos de segurança privada no valor de 2.089.692 euros.

Em todo o caso, foi nos anos de 2021 e 2022 – já que em 2020, primeiro ano da pandemia apenas se assinaram quatro contratos no valor total de 121 mil euros – que o EMGFA e o seu instituto de acção social deram gás à contratação de empresas privadas para vigiar as suas instalações. Em 2021 foram assinados 21 contratos no valor de 1,3 milhões de euros e no ano seguinte mais 15 contratos envolvendo um pouco mais de 1,2 milhões de euros. Ao longo de 2023 estão apenas assumidos publicamente sete contratos desta natureza, dos quais ainda quatro do mandato de Silva Ribeiro, com um montante de quase 167 mil euros, e os restantes três do actual Chefe de Estado Maior General, Nunes da Fonseca, num total de quase 167 mil euros.

Montantes dos contratos, por empresa e ano, de vigilância e segurança privadas estabelecidos pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas e pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas desde 2010. Fonte: Portal Base. [ver em maior dimensão]

A Ronsegur tem sido, especialmente a partir de 2021 a empresa mais beneficiada, totalizando 23 contratos nos últimos 32 meses, com uma facturação de quase 2,1 milhões de euros. Antes do mandato de Silva Ribeiro, a Ronsegur já fizera nove contratos com as Forças Armadas (EMGFA e IASFA), mas envolvendo pouco mais de 330 mil euros.

Esta empresa de Santa Maria da Feira, criada em 2004, está envolvida num processo em que o Ministério Público acusa três autarcas de Mogadouro de prevaricação por via de contratos de vigilância e segurança privada do Parque de Campismo da Quinta da Aguieira, do Complexo Desportivo local e do Parque Juncal. De acordo com o Ministério Público, “em conjugação de esforços e em concretização de plano previamente delineado” os três autarcas e os sócios de três empresas “lograram simular a aparência de um procedimento de contratação pública por intermédio de consulta prévia de modo a lograr atribuir, novamente, à Rosengur, a execução de serviços de vigilância e segurança privada” no município de Mogadouro, “contornando, flagrantemente, as regras legais da contratação pública e da concorrência”.

A empresa tem estado também no centro de vários casos de alegados abusos laborais, embora no seu site ostente vários documentos sobre sua política, designadamente de responsabilidade social e um plano de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas.

Empresas privadas controlam quem entra ou sai de instalações militares. Em casa de ferreiro, espeto de pau.

Muito mais atrás da Ronsegur no que diz respeito a relações comerciais com o EMGFA no âmbito da vigilância, surge a Ovisegur, que apenas começou trabalhar para a cúpula das Forças Armadas a partir de 2021, mas com grande sucesso: tem sacado contratos atrás de contratos para a vigilância e segurança do Hospital das Forças Armadas, tanto no pólo de Lisboa como no do Porto.

No total, a Ovisegur conta já 13 contratos desta natureza – uma parte por concurso público, outra por ajustes directos, por vezes sem redução a escrito –, que já totalizam 489.587 euros. Nos últimos dois anos, uma outra empresa, a COPS, tem coleccionado no seu portfólio contratos para vigilância do Hospital das Forças Armadas: dois em 2022 e mais três este ano, envolvendo 227.686 euros.

Aliás, somando todos os contratos de segurança privada do Hospital das Forças Armadas – 20 no total desde 2021, não se tendo detectado qualquer outro antes dessa data –, o EMGFA gastou já 789.204 euros.

Além das três empresas privadas já referidas – Ronseguir, Ovisegur e COPS –, existem mais quatro empresas com contratos de vigilância privada com o EMGFA: a Securitas, a Noite e Dia, a 2045 e ainda a Strong. No caso da Securitas, o último contrato é, porém, de 2020 – para instalações do IASFA – e antes dessa data constam apenas quatro contratos em 2013 e dois em 2016.

Almirante Silva Ribeiro, no dia em que deixou o EMGFA e foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo por Marcelo Rebelo de Sousa. Durante o seu mandato foram assinados 47 contratos de vigilância privada, tanto para instalações do EMGFA como para o seu instituto de acção social. Antes de si, o uso de empresas privadas era raro.

Ainda mais fortuitas são as relações comerciais com a 2045 (um contrato em 2012 no valor de 53 mil euros), a Noite e Dia (dois contratos, em 2021 e 2022, num montante total de cerca de 72 mil euros) e a Strong (um contrato em 2013 de pouco mais de 11 mil euros).

O PÁGINA UM pediu, no dia 22 deste mês, comentários ao EMGFA sobre estas matérias, pedindo que fossem dados esclarecimentos sobre os motivos de não ser a função de vigilância feita por recursos próprios, ou seja, por militares. De igual modo, perguntou-se se existiam critérios de reforço de segurança relativamente aos funcionários das empresas contratadas, de modo a assegurar a inviolabilidade de espaços e informação sensíveis.  

No dia seguinte, as relações públicas das Forças Armadas acusou a mensagem, informando que “o assunto foi encaminhado para os órgãos competentes a fim de ser analisado”. Passou uma semana e a análise ainda não chegou.

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