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eNaira: já ouviu falar da moeda digital do Banco Central da Nigéria? Uma asneira

Statue of Liberty in New York City under blue and white skies

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Desde o início da putativa pandemia, praticamente todos os Bancos Centrais do Mundo têm anunciado o lançamento da sua moeda digital. A burocracia de Bruxelas e de Frankfurt, obviamente, não ficou para trás nesta “corrida”, e já anunciou o lançamento para breve do Euro Digital, apesar das populações nunca se terem pronunciado democraticamente a respeito.

Neste contexto, lá tivemos os órgãos de propaganda a realizarem “entrevistas“ – neste caso, à comissária europeia Mairead McGuinness, com o pelouro dos serviços financeiros, estabilidade financeira e união do mercado de capitais –, para nos dar conta da “necessidade de lançarmos um Euro Digital”. Como sempre, tudo maravilhas! E respondido ao melhor estilo de uma fábula infantil.

Currency in Nigeria

À pergunta “porque é que precisamos de um Euro Digital?”, tivemos a pungente resposta: “Em relação ao dinheiro, as pessoas vêem-no, compreendem, mas eu posso não ter dinheiro no bolso. Por isso, quero ter a alternativa, a opção de ter uma versão digital do dinheiro. As pessoas já não estão a usar tanto o dinheiro como antes e a covid acelerou essa tendência.” Reparem, como às vezes saímos à rua sem dinheiro no bolso, ou anda por aí um bicho, temos de ter o Euro Digital!

A melhor parte da “entrevista” estava reservada para a questão da privacidade. Após admitir que, numa consulta pública realizada pelo Banco Central Europeu (BCE), essa era a maior preocupação das pessoas, apaziguou-nos com esta candura: “O BCE não está interessado na forma como gasta o seu dinheiro, mas quer dar-lhe a opção de ter uma versão digital do dinheiro.” É uma pena não ter-nos explicado que se trata da ferramenta de sonho de qualquer tirano.

Enquanto os dirigentes europeus celebravam a vitória antecipada sobre um povo doutrinado, obnóxio, idoso, crente em todas as patranhas estatais, o povo nigeriano demonstrava ser capaz de combater a tentativa de se lhes impor uma tirania digital, fazendo do eNaira, a moeda digital do Banco Central da Nigéria, um completo fracasso. Este falhanço poderá servir de exemplo para os demais países pobres.

Crowded Street in Nigeria

Esta história merece ser contada, dado tratar-se de um dos maiores produtores de petróleo de África e o mais populoso deste continente, com uma população acima dos 200 milhões de pessoas. Em consequência, existe um enorme interesse geopolítico na Nigéria e na história do eNaira. Sejam os globalistas do Fórum Económico Mundial, presentes na Nigéria há algum tempo, os russos, aí estabelecidos desde a era soviética, ou os chineses, que também por lá constroem ferrovias, estradas e aeroportos.

De que forma se lançaram as raposas para o galinheiro? A 26 de Outubro de 2022, a Nigéria lançou oficialmente o eNaira, tornando-se o primeiro país africano a lançar uma moeda digital do Banco Central. Como sempre, o paraíso estava ao virar da esquina: o eNaira ia fazer crescer a Economia em 29 mil milhões de Dólares norte-americanos (USD) ao longo de 10 anos, possibilitar pagamentos directos do Governo às pessoas e, sem surpresa, aumentar a base de impostos – a roubalheira é sempre o propósito final do qualquer Estado.

No final desse mês, 30 de Outubro de 2022, o Governo, através do seu Banco Central, lançava um ambicioso plano para “combater a inflação” – os criminosos regressavam para investigar e deslindar o crime –, através da reposição das notas de elevado valor (200, 500 e 1000 Nairas), combatendo, desta forma, a contrafacção – quando eles fazem não há problema, agora a populaça é que não! – e retirar a excessiva circulação de notas no país.

man in white long sleeve shirt and white hat standing in front of fruit stand

No final desse ano, o Governo lançou um ataque total ao dinheiro físico, retirando o curso legal às notas de 200, 500 e 1000 Nairas. Afinal não era uma entrega de velhas por novas notas, mas apenas a entrega de notas por saldos digitais de eNairas. Segundo o então governador do Banco Central, até ao final de Janeiro de 2023, depois adiado para 10 de Fevereiro, a Nigéria faria a transição completa do dinheiro físico (Naira) para o dinheiro digital.

Como sempre, os mais pobres e débeis, sem contas bancárias, foram aqueles que mais sofreram com a escassez de notas, gerando o caos e o desespero. As garantias do Banco Central nigeriano de que o dinheiro físico não seria eliminado até que o eNaira estivesse totalmente operacional não foram cumpridas. Assim, muitos ficaram com notas bancárias antigas e sem valor, já que o plano era eliminar as notas de maior valor, como as de 200, 500 e 1000 Nairas.

A 8 de Fevereiro de 2023, o Tribunal Supremo da Nigéria bloqueou o plano do Banco Central, impedindo a eliminação do curso legal das notas de maior valor.

Neste contexto, é fácil compreendermos os tumultos que tiveram lugar no dia 16 de Fevereiro. Os manifestantes atacaram caixas multibanco e bloquearam estradas, à medida que a raiva transbordava pelas ruas devido à escassez de dinheiro, apenas a dias de eleições gerais no país. Privadas de toda a sua riqueza, desesperadas e famintas, foram para as ruas, exigir a reinstalação do curso legal das antigas notas.

a man and a woman looking at a cell phone

Neste contexto, o Governo de Buhari anunciou que as notas do 200 Nairas teriam novamente curso legal por mais 60 dias. A possibilidade de depositar notas de 500 e 1000 Nairas junto do Banco Central e receber saldos de eNairas teria uma nova data-limite: 10 de Abril de 2023, mas mantendo-se a eliminação do seu curso legal.

Até o final de Janeiro de 2023, as transações usando o eNaira ocorriam sem problemas, mas eram limitadas aos membros da classe média, com acesso a dispositivos digitais. A grande maioria dos nigerianos desesperavam por trocar o seu dinheiro antigo por qualquer coisa com que pudessem satisfazer a sua fome.

O problema era que o novo dinheiro não estava em lugar algum. Mesmo os nigerianos mais brilhantes não conseguiram entender como o Governo planeava eliminar o dinheiro existente e emitir novo dinheiro em apenas algumas semanas antes das eleições gerais previstas para 24 de Fevereiro de 2023.

Como previsto, o novo presidente da Nigéria saiu do partido do Governo – a “democracia” está assim –, o mesmo responsável pelo caos que estava instalado. É importante notar que estamos a falar de um país que lidava com uma crise monetária, inflação descontrolada e escassez de combustíveis, apesar de ser o maior produtor de petróleo da África, onde a falta de dinheiro físico e as filas intermináveis nas caixas multibanco são incessantes.

girl holding book near blue motorcycle

A situação de incerteza e perigo persistiu por três meses e meio até à posse do novo presidente, Bola Ahmed Tinubu. A 29 de Maio de 2023, aproximadamente 108 dias após a eliminação efectiva do dinheiro, o Presidente Tinubu restaurou o curso legal das notas antigas, juntamente com o novo Naira e eNaira.

O que levou Tinubu a fazer tal gesto? Não só teve este gesto, como ordenou uma investigação ao Banco Central da Nigéria, resultando na prisão do seu ex-governador, Godwin Emefiele, a 10 de junho de 2023, algo absolutamente inédito. No final de julho, foi libertado pelo tribunal e novamente detido pelos serviços de segurança.

No meio de tudo isto, cem milhões de pessoas foram privadas dos seus meios de subsistência por três meses e meio. Como sobreviveram? Os nigerianos, ao contrário da maioria dos habitantes dos países ocidentais, não acreditam numa palavra do que diz a classe política. Sentindo-se enganados novamente, quando ficou claro que nem o Naira antigo nem o novo funcionavam, as pessoas foram para as ruas, dispararam tiros e, infelizmente, pessoas morreram.

Em resposta às recusas de aceitar o seu dinheiro antigo, invalidado no final de Janeiro de 2023, as pessoas sem contas bancárias, dinheiro legal ou economias recorreram a métodos tradicionais: troca e crédito comercial. A falta natural de fé dos nigerianos no Estado salvou-os de um golpe, do terrorismo estatal.

people raising green and white flag during daytime

Esta história, obviamente, não é conhecida pelas pessoas do chamado “mundo livre”. Estas necessitam do Estado para lhes dizer que há uma “pandemia”, bastando-lhes uma recomendação de um qualquer burocrata do Estado para correrem a inocular-se com substâncias experimentais. Bastará um órgão de propaganda dizer-lhes que o Euro Digital é a sétima maravilha do mundo, para correrem de forma desenfreada a trocar notas de Euro por Euro digital.

Pelas razões apontadas, esta história não é conhecida do mundo ocidental, mas merece ser contada. Um povo que não acredita no Estado logrou derrotar um golpe que pretendia implementar uma ditadura digital. Por aqui, repito, vai ser muito fácil!

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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