IURD bateu à porta do regulador e conseguiu aquilo que nem a TVI obteve

ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação

por Pedro Almeida Vieira // Setembro 15, 2023


Categoria: Imprensa

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Faz lembrar o Evangelho segundo São Mateus: “Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir”. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que em Portugal detém directamente uma revista, um jornal e um canal televisivo – pediu e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) logo lhe abriu a porta, ou melhor, permitiu que aquela igreja evangélica fechasse, a partir de agora, as suas contas a olhos indiscretos no Portal da Transparência dos Media. Antes desta decisão, sabia-se que a IURD registara um lucro acumulado de quase 43 milhões de euros entre 2017 e 2021. Na sua deliberação, o regulador não revela os motivos do pedido nem justifica a razão do deferimento, considerando essa informação secreta. O PÁGINA UM não tem tido acesso a esses documentos porque a ERC recorreu de uma sentença que lhe foi desfavorável, alimentando assim o obscurantismo neste sector. 


A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) permitiu, em deliberação tomada a 30 de Agosto, que a Igreja Universal do Reino de Deus passasse a esconder informação financeira no Portal da Transparência dos Media.

Tal como a generalidade das entidades que detêm órgãos de comunicação social – independentemente de serem informativos ou doutrinários –, a IURD divulgou diversos indicadores financeiros entre 2017 e 2021, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, o rendimento e o resultado líquido (lucro ou prejuízo). Com a autorização da ERC, a IURD deixou assim de o fazer assim relativamente ao relatório e contas de 2022.

IURD detém directamente três órgãos de comunicação social de Portugal e é dona de outra que integra mais seis. Está associada à Rede Record, um conglomerado de media brasileiro detido por Edir Macedo.

De acordo com os registo de 2021, consultados pelo PÁGINA UM, a IURD detinha então activos de quase 170 milhões de euros – a título de exemplo, a Cofina, o maior grupo com actividade exclusiva na imprensa tem activos de 105 milhões de euros – e obteve um lucro de 6,2 milhões de euros. Entre os anos de 2017 e 2021, a IURD apresentou lucros acumulados de 42.986.198 euros.

Além da sua actividade religiosa, a IURD detém directamente três órgãos de comunicação social registados na ERC: uma revista e um jornal, ambos de periodicidade mensal, e ainda um canal de televisão a Unifé TV.

A revista (Eu era assim, com o registo nº 127685) é gratuita, tendo no mês passado sido lançada a sua 19ª edição. Por sua vez, o jornal Folha de Portugal, com o registo nº 127340, também de distribuição gratuita, conta 56 números. De acordo com o estatuto editorial disponível no site da IURD, este jornal “é um periódico de 12 páginas e com uma tiragem de 30.000 exemplares, apresenta uma área de distribuição muito abrangente, que compreende não só Portugal Continental e as Ilhas, como, pontualmente, alguns países da Europa, como o Luxemburgo, a França e a Suíça”.

Entidade Reguladora para a Comunicação Social gere a transparência escondendo justificação para conceder regimes de excepção.

Por fim, o canal de televisão Unifé, com o registo nº 523418, foi lançado em 30 de Agosto do ano passado, e visa a “divulgação de conteúdos religiosos enquadrados nas crenças e nos cultos da IURD”, bem como “da obra social da IURD e das entidades religiosas” Segundo a autorização da ERC para o funcionamento deste canal, a IURD previa um prejuízo anual de 500 mil euros por ano ao longo da primeira década de funcionamento.

Este canal não tem ligação directa à Rede Record, que é um colosso comunicacional no Brasil, também presente em Portugal, embora seja detido por Edir Macedo, o fundador da IURD. No caso da empresa estabelecida em Portugal – a Rede Record de Televisão Europa –, o accionista principal é a holding Aion Future, que tem como principal sócio Marcelo Cardoso (69%), um bispo da IURD muito próximo de Edir Macedo.  

De forma indirecta, a IURD também controla completamente, como dona da Global Difusion, mais seis empresas registadas na ERC: Horizontes Plano, R.T.A., Record FM, Rádio Clube de Gaia, Rádio Pernes e Rádio Sem Fronteiras a Rádio Positiva. Apesar de ter um capital social de 500 mil euros, nos registos da ERC não constam quaisquer dados financeiros para qualquer ano.

Indicadores financeiros (em euros) conhecidos da Igreja Universal do Reino de Deus entre 2017 e 2021. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC

Na deliberação que agora isenta a IURD de apresentar as suas contas no Portal da Transparência, a ERC – que, neste momento, tem um conselho em gestão, apenas com três dos cinco membros em função, após o falecimento de Mário Mesquita e a demissão de Sebastião Póvoas – não apresenta os motivos do pedido nem tão-pouco justifica a concessão dessa excepção, que na prática cria um regime de excepção sem justificação para se esconder dados financeiros de uma entidade gestora de órgãos de comunicação social. Algo que contraria o espírito de uma lei da Assembleia da República de 2015.

O regulador apenas diz que “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.

Recorde-se que por causa desta postura obscurantista do regulador dos media – que lhe permite tomar decisões arbitrárias para benefícios de terceiros em matérias paradoxalmente de transparência –, o PÁGINA UM intentou no ano passado uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos processos de pedido de confidencialidade.

Em 8 de Novembro do ano passado, uma sentença favorável ao PÁGINA UM determinou que, no caso dos processos concluídos, a ERC deveria entregar os documentos apenas expurgados de dados pessoais ou que revelassem segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas. A juíza do caso ameaçou mesmo o presidente da ERC de uma sanção pecuniária compulsória se não disponibilizasse os documentos ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias, mas o regulador decidiu recorrer, com carácter suspensivo, para o Tribunal Central Administrativo Sul, estando ainda a aguardar-se o acórdão.

Em todo o caso, desde final do ano passado, o regulador passou a tomar as decisões através de deliberações, sendo esta da IURD a primeira que foi concedido o benefício de esconder dados económicos. Por exemplo, em 2022 a empresa gestora da TVI e da CNN Portugal – a TVI – Televisão Independente – tentou obter junto da ERC o mesmo que agora a IURD conseguiu. Levou com um indeferimento. Talvez por “falta de fé”…

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