TVI fez notícia isenta sobre padre Mário Rui Pedras mas com destaques ofensivos. ERC não gostou

Mil queixas contra a TVI por chamar pedófilo e abusador ao confessor de André Ventura

por Pedro Almeida Vieira // Outubro 8, 2023


Categoria: Imprensa, Exame

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A TVI fez a cobertura, em Junho passado, da primeira missa do pároco de São Nicolau, em Lisboa, depois de terem sido arquivadas as suspeitas de abuso sexual. A reportagem estava isenta, mas para captar e manter audiência antecedeu a emissão no Jornal Nacional com dois destaques em que chamava “pedófilo” e “abusador” a Mário Rui Pedras, também conhecido por ser orientador espiritual de André Ventura, líder do Chega. O Patriarcado de Lisboa não gostou, nem cerca de um milhar de pessoas que encheram de queixas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. O regulador veio agora, em deliberação, criticar a televisão da Media Capital e obrigou-a mesmo a ler um texto como “acto de contrição”.


Por ironia, o problema não esteve nem na mensagem nem no oráculo – palavra que em gíria televisiva constitui um curto texto de chamada num telejornal, mas no mundo religioso representa a mensagem de Deus. O problema, mesmo, foi em dois breves destaques para chamar a atenção – e isso custou à TVI cerca de mil “pragas” sob a forma de queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e agora a leitura em directo de um extenso texto à laia de “acto de contrição”.

Tudo se deveu à cobertura mediática da primeira missa do padre Mário Rui Pedras – pároco da igreja lisboeta de São Nicolau, publicamente conhecido por ser o orientador espiritual do líder do Chega, André Ventura – após uma suspensão de três meses para investigações que culminaram no arquivamento das suspeitas de abusos sexuais de menores.

Mário Rui Pedras, pároco de São Nicolau, em Lisboa, foi suspeito de abusos sexuais, mas investigações ilibaram-no.

Tal como a generalidade dos órgãos de comunicação social, a TVI – que nos seus primórdios, esteve ligada à Igreja Católica –  marcou presença. E a jornalista destacada fez um trabalho irrepreensível. Relatava ser aquela a primeira missa do pároco lisboeta após o arquivamento das denúncias, na segunda-feira anterior, acrescentava que se até se esperara uma enchente para acolher o padre – daí terem-se colocado altifalantes virados para a rua –, ouviu quatro fiéis, entre os quais o ex-ministro Bagão Félix, e ainda, apesar da recusa de Mário Rui Pedras em falar com a comunicação social, citou profusamente declarações do padre dirigida aos paroquianos no final da homília.

Porém, logo no início do seu Jornal Nacional desse dia 18 de Junho, pelas 19h59, a TVI decidiu dar em rodapé estático, durante 33 segundos, a mensagem: “A seguir: Padre abusador volta a celebrar missa”. O oráculo seguiria repetido quatro minutos depois, com a variante de ter a fotografia de Mário Rui Pedras, e a mensagem: “A seguir: Padre pedófilo reza missa”, mantendo-se visível durante 19 segundos. A reportagem da jornalista seria emitida às 20h22, contradizendo o teor dos oráculos: ou seja, Mário Pedras nem sequer já estava sob suspeito de ser um “padre abusador” ou um “padre pedófilo”.

Além das cerca de mil queixas no regulador, o próprio Patriarcado de Lisboa viria a reagir de forma dura contra a atitude da TVI. A circunscrição eclesiástica sedeada na capital repudiou então ”a forma injuriosa como este padre [Mário Rui Pedras] foi tratado nas legendas que anunciavam a peça emitida pela TVI, no Jornal Nacional de Domingo passado, e acompanha a queixa promovida por este sacerdote”.

Notícia da TVI estava equilibrada a rigorosa, chegando até a ouvir o ex-ministro Bagão Félix, que declarou ter estado presente por solidariedade por conhecer o padre Mário Rui Pedras há muitos anos.

Na análise ao caso, conforme deliberação de 8 de Setembro mas divulgada apenas no final da semana passada, a ERC salienta que a informação transmitida pelos polémicos destaques chega a ser “contraditada na notícia exibida mais à frente no noticiário, não se encontra[ndo] sustentada em factos e evidencia um pendor alarmista que veicula uma suspeição grave” sobre a actuação do padre Mário Rui Pedras.

Para o regulador, como “os destaques promocionais às notícias a exibir nos noticiários televisivos – equivalendo às chamadas de capa dos jornais – não se encontram dispensados dos deveres de rigor”, e ainda pelo facto de a TVI não ter procurado corrigir o erro e por ser reincidente, desta vez, além da crítica, mandou a televisão da Media Capital ler em directo a recomendação integrada na deliberação.

No texto, a ser lido, refere-se que a ERC deliberou que, “a propósito da cobertura jornalística que visa o Padre Mário Pedras (…) a natureza das informações inverídicas transmitidas pela TVI viola de forma especialmente grave o direito ao bom nome e reputação do visado (…) e extravasa os limites necessários para o exercício do direito de informar”, adiantando também que “a TVI não cuidou de retificar a informação incorreta que veiculou, insistindo na manutenção do erro, indo ao arrepio do dever profissional previsto no Estatuto do Jornalista”.

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