Se a concessão atribuída em 2019 por João Galamba, como secretário de Estado, para a exploração mineira de lítio em Montalegre, já há muito se mostrava nebulosa, daí para cá pouco se clarificou. A Lusorecursos Portugal Lithium, que começou com um capital social de apenas 50.000 euros, praticamente não tem actividade e aquilo que mais tem feito é endividar-se à custa de sucessivas revalorizações do activo intangível constituído pela concessão mineira. Em 2019, os activos intangíveis valiam 422 mil euros, mas dois anos depois subiram quase cinco vezes, sem que se conheçam as bases dessa contabilidade. Em 2022 não se sabe o valor, porque, embora já decorra o mês de Novembro de 2023, a empresa ainda não inseriu as contas do exercício desse ano na Base de Dados das Contas Anuais. O capital próprio da empresa estava, em 2021, próximo do zero. E não se sabe quem são os actuais accionistas.
A Lusorecursos Portugal Lithium – uma das empresas que está no ‘olho do furacão’ político que descambou na queda do Governo – não apresentou sequer contas no último ano. A empresa foi criada em 21 de Março de 2019 por Ricardo Pinheiro e José Torres da Silva, cinco dias antes do contrato de exploração das jazidas de lítio no concelho de Montalegre aprovado por João Galamba, quando ainda era secretário de Estado da Energia, então sob tutela do ministro do Ambiente Matos Fernandes.
Esta concessão é um dos “negócios” que contribuiu para a demissão de António Costa no decurso de 42 buscas desenvolvidas hoje pelo Ministério Público, que incluíram instalações do primeiro-ministro, do Ministério do Ambiente e da Acção Climática e do Ministério das Infraestruturas. Foram mesmo emitidos mandados de detenção sobre o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escaria, o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, e dois administradores da sociedade Start Campus, além de Diogo Lacerda Machado. Os ministros João Galamba e Duarte Cordeiro foram constituídos arguidos, bem como Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente. O próprio António Costa está sob investigação, em curso no Supremo Tribunal de Justiça por razões constitucionais.
De acordo com a consulta do PÁGINA UM à Base de Dados das Contas Anuais, gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado, não se encontra qualquer documento da Lusorecursos Portugal Lithium referente ao exercício de 2022. A entrega deve, em condições normais, ser feita até Junho do ano seguinte àquele a que diz respeito. As últimas contas da empresa são referentes a 2021, onde se mostra notório que não teve actividade visível e tão-só desenvolveu uma ‘engenharia financeira que lhe fez aumentar os activos intangíveis, resultantes da concessão mineira autorizada pelo Governo socialista.
Com efeito, no seu primeiro ano, a empresa em Braga – que começou com um capital social de 50 mil euros –, teve como única receita um subsídio à exploração de pouco mais de sete mil euros, e teve despesas de cerca de 34 mil euros. Terminou assim o ano de 2019 com um prejuízo de cerca de 31 mil euros, mas com uma situação económica sólida, porquanto valorizou os activos em mais de 531 mil euros, sobretudo por avaliar contabilisticamente o valor da concessão entregue por João Galamba em 421.946,83 euros.
Ignora-se quais foram os métodos de avaliação deste activo intangível – que não mensuráveis como um prédio ou uma máquina –, mas certo é que no exercício de 2020 o valor da concessão subiu para 1.030.761,08 euros, mesmo se a Lusorecursos continuou virtualmente sem actividade. Na demonstração de resultados desse ano, para uma empresa sem trabalhadores, apenas surge um rendimento de cerca de 13 mil euros de um subsídio à exploração, enquanto os diversos gastos colocaram os resultados novamente no prejuízo, em pouco mais de 15 mil euros.
Em todo o caso, se não se vislumbrou nenhuma actividade – a não ser a subida do activo intangível –, os accionistas da Lusorecursos trataram de endividar a empresa: o passivo, que no primeiro ano já era de 512 mil euros, duplicou em 2020, passando para os 1,12 milhões de euros. Grande parte deste montante em 2020 referia-se a dívidas de longo prazo: 415.535 euros de financiamentos bancários e 423.719 euros em contas a pagar a credores, embora se desconheça quem sejam.
A situação económica da empresa piorou ainda mais em 2021, subindo o passivo para 2,1 milhões de euros, com o capital próprio dos accionistas a reduzir-se para uns insignificantes 2.324 euros. Os empréstimos bancários subiram para quase 902 mil euros, enquanto as outras contas a pagar a longo prazo ascenderam aos 545 mil euros. Até a dívida ao Estado subiu, situando-se em finais de 2021 em quase 115 mil euros.
Sem qualquer actividade em 2021 – a única rubrica com movimento na parte do rendimento foi no valor de 21,72 euros e não há qualquer gasto operacional ou financeiro –, a Lusorecursos apenas fez um truque contabilístico para que o activo não entrasse em contradição com o passivo (a somar ao pequeno capital próprio): o valor da concessão mineira (activos intangíveis) disparou para 2.013.245 euros, desconhecendo-se qualquer justificação para essa valorização.
O facto de as contas anuais de 2022 não terem sido ainda reveladas – e o PÁGINA UM enviou um e-mail à Lusorecursos, que não teve resposta solicitando o relatório e contas desse ano – indicia um agravamento da situação económica e financeira assente em pressupostos contabilísticos muito duvidosos.
A empresa tinha garantido, em Setembro passado, que depois da validação do estudo de impacte ambiental aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente, a exploração da denominada mina do Romano, em Montalegre, começaria em 2027, com toda a produção com “comprador garantido”, após um investimento de 650 milhões de euros. Mas nunca se soube se com recursos próprios da Lusorecursos Portugal Lithium ou se estará a ponderar a simples venda da concessão da exploração do lítio.
Saliente-se ainda que no Registo Central do Beneficiário Efectivo, os dois fundadores da Lusorecursos (Ricardo Pinheiro e José Torres da Silva) apenas surgem como administradores sem propriedade ou controlo directo ou indirecto e sem direito de voto. O único beneficiário efectivo, detendo 30% do capital social, é Bruno Rafael Pires Braga, sobre o qual o PÁGINA UM ainda não conseguiu apurar quaisquer elementos.