Elucubrações

A retórica do Cosmos: a linguagem da ciência na poética de Victor Hugo

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A produção poética de Victor Hugo manifesta-se como uma das mais marcadas pelo discurso da ciência, na descrição dos lugares, objectos e personagens, entre as que, com reconhecimento alargado, se notabilizaram no seu tempo.

Do nosso ponto de vista, que defendemos nesta abordagem, só Jules Verne, e, até certo ponto, Zola, para nos mantermos em exemplos da literatura francesa, se evidenciam como igualmente marcados pela mesma influência, no mesmo registo textual. No entanto, a interdiscursividade que detectamos em Hugo, ao contrário da que emerge nos seus pares acima citados, não é apenas um campo que a produtividade poética reelabora, para obter uma visão do mundo realista, ou um alargamento enciclopédico do conhecimento cósmico.

Victor Hugo (1802-1805)

De facto, nele, a ciência surge como produtora de uma linguagem veemente e passional, qualquer coisa como o turbilhão vociferante do Cosmos que, longe de inspirar um discurso “branco” do saber, razoável e iluminado, permite o emergir poético da catástrofe sibilada, a coloração das forças imparáveis do universo, e mesmo a emergência dos caos enunciáveis pelas trevas, pelos dilúvios, pelas forças tectónicas e atmosféricas.

De algum modo, onde o gosto clássico cessante colocava entes divinizados e titãs, todos eles antropomorfizados, Hugo coloca as forças e os objectos naturais descritos pelas ciências, como entidades animadas. Elas não são evidentemente antropomórficas: apenas a visão e escuta dos poetas permitem que as suas figuras emirjam, se anunciem com a capacidade performativa de, enquanto discursos do mundo (por vezes formas e de desígnios enigmáticos), actuarem poderosamente sobre o mundo.

Assim, os ventos e as correntes não são movimentos cegos, mas fúrias desencadeadas, deslocando-se como agentes das fábulas, as tempestades e os trovões não são fenómenos indiferentes às paixões dos homens, mas sim, antes, forças que com eles actuam, que desafiam e transformam os poderes das personagens.

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Se a ciência do século XIX descobre e descreve os fenómenos, sobretudo os energéticos, ao poeta compete entender-lhes o sentido, a sua função actancial no desenrolar da narrativa, o seu sentido profético, ao emergirem, nos cantos líricos, como elementos de uma cosmovisão, ou, nas narrativas, como representações de um espaço vital animado, ele próprio, por forças cegas de destruição e transformação.

De qualquer modo, a componente do conhecimento científico da época entra como parte do saber que instaura qualquer coisa como o orgulho iconoclasta do poeta, o que lhe permite ter dos séculos – pelo domínio da lenda e da história – e dos estratos cósmicos – pelo desenvolvimento da geografia, da astronomia e das ciências físicas e naturais em geral que ele adquire pelo estudo actualizado – uma visão sincrética.

No texto “A arte a ciência”, um dos primeiros capítulos da obra que dedica a Shakespeare, (Hugo, s/d [1864]:93-96), o autor francês enuncia o princípio que o rege:

“O universo sem livro é o esboçar da ciência; o universo com o livro é o ideal que aparece. Também se dá, de imediato, a modificação do fenómeno humano. Onde nada havia senão a força, revela-se a potência. O ideal aplicado aos factos naturais é a civilização. A poesia escrita e cantada começa a sua obra, dedução magnífica e eficaz da poesia vista. Coisa que choca ao enunciá-la: a ciência sonhava, a poesia agiu. Com o barulho da lira, o pensador escorraça a ferocidade.”

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William Shakespeare

Toda a sua argumentação, a partir daí, se desenvolve na demonstração de que a escrita, por si só, depois de ter permitido a abstracção comum à ciência e à poesia, permitiu a esta última construir uma humanidade superior que já assenta muito mais na própria escrita do que no saber da contemplação natural: “A natureza, mais a humanidade, elevadas à segunda potência, dão a arte” (p.95).

Esta matemática, servindo o princípio da alegorização, permite a Hugo a fórmula final segundo a qual compara a arte e a ciência: “A poesia, como a ciência, tem uma raiz abstracta; a ciência tira daí obra-prima de metal, de madeira, de fogo ou de ar, máquina, navio, aeróscafo; a poesia extrai obra-prima de carne e osso: A Ilíada, o Cântico dos cânticos, o Romancero, a Divina comédia e Macbeth” (p.96).

O reconhecimento desta superioridade, que Hugo arvora como mais-valia da poesia, desde tempos remotos, como transparece no facto de todas as obras citadas serem supremos modelos canónicos ou mesmo casos de “textos fundadores”, não impede que ele esteja atento, de um modo surpreendentemente criador, aos enunciados do discurso científico que eram inovadores no seu tempo.

Tentaremos demonstrá-lo com alguns exemplos, contrapondo o discurso da sua voz autoral (lírico-poética, ou de narrador épico-romanesco) a casos em que esse mesmo tipo de discurso se faz sentir pela ausência de enunciados desse tipo ou por uma formulação em que o saber científico não se integra na obra literária, embora aí apareça aludido.

Comecemos por comparar Hugo com o seu contemporâneo (nascido, tal como Hogo, note-se a efeméride, em 1802) Alexandre Dumas. Não tentaremos fazê-lo em relação ao total das suas obras, porque isso seria uma tarefa fora do âmbito de um artigo, ou até mesmo de um volume de consideráveis dimensões, mas apenas a pequenos exemplos que consideramos privilegiados.

Em Dumas, tentaremos comentar, através de breves citações, a presença da ciência pela representação que ele faz de um mação alquimista, Joseph Balsamo, no princípio do romance que tem por título o nome da personagem – quase sempre publicado em vários tomos, ele próprio integrado num conjunto de romances que abordam o fim do antigo regime em França, numa série romanesca intitulada Mémoires d´un médecin.

Logo após as primeiras páginas em que Joseph Balsamo é consagrado membro da ordem (que nunca é nomeada exactamente mas que reproduz, embora com bastante liberdade espectacular, os ritos de iniciação maçónicos), a narrativa apresenta-nos a personagem em viagem, atravessando uma região montanhosa de França, numa carruagem de amplas e complexas dimensões, uma espécie de habitação rolante no interior da qual o protagonista e um velho sábio manipulam enigmáticos frascos, fazem funcionar um forno alquímico no qual se prepara uma misteriosa transformação.

Alexandre Dumas

À volta da carruagem desencadeia-se uma tempestade cujos aspectos e efeitos lembram uma inesperada e incontrolável fúria do Cosmos, resultando dela que um dos cavalos é morto e os viajantes têm de parar.

A descrição do acontecimento, embora obedeça aos princípios elementares do que é comum na visualização literária dos fenómenos da natureza, não tira qualquer consequência do facto de ela estar a ser observada, sentida, percebida e mesmo avaliada por dois seres de supremo saber. Os fogos celestes surgem como uma pirotecnia surpreendente de efeitos luminosos e a água torna-se numa ameaça que inunda o terreno.

Para o velho alquimista a chuva apenas se manifesta como algo negativo por ameaçar apagar o fogo do forno onde se está a dar a grande transformação, pelo facto de a casa rolante não ter a chaminé devidamente coberta. No entanto, quando, como que por acaso, o velho alquimista se dá conta da trovoada, é com a maior naturalidade que ele explica a Balsamo que é inteiramente possível domar as descargas eléctricas e fazê-las funcionar em proveito da técnica laboratorial. É tudo uma questão de tempo e de oportunidade.

Os segredos de tal arte, porém, não são enunciados senão pela breve explicação de que “a chama eléctrica” pode “descer até ao forno”, por um sistema de “pontas” suportadas por um “papagaio artificial”. De tal explicação, o genial discípulo, Balsamo, detentor de imensas sabedorias, não percebe nada (cf.Dumas, s/d: 46-47;vol.I).

O quadro que aqui se nos desenha é, até certo ponto, o de uma relação do homem com o Cosmos, com aquilo que poderíamos designar até, mais funcionalmente, como macrocosmo, manifestando-se tal relação, através de um sábio. No entanto, o processo surge como uma demonstração de que o desenvolvimento do saber é eticamente negativo.

De facto, o conhecimento contido pelas duas personagens, assente sobretudo numa espécie de manipulação de fórmulas tendentes a construir a transgressão, a arquitectar uma conspiração que altere um conjunto de elementos estruturadores da potência (essencialmente a política – o antigo regime é visto como uma determinada ordem emanada da transcendência vigorando no universo imanente do perecível), não se move para lá de um quadro ou espaço fechado: o das fórmulas dos livros e dos instrumentos sagrados e/ou proibidos.

Tal saber encerrado, feito e dominado de uma vez para sempre, parece nada poder acrescentar à visão poética, ficcional ou mesmo cientificamente informada, do macrocosmo. Todo o saber acerca deste permite apenas domínios parciais que podem ou não ser usados para perturbar a ordem humana estabelecida.

photo of library with turned on lights

Dentro deste quadro epistemológico, o saber do sábio (o alquimista, o mação) é sempre um movimento perverso, surgindo no discurso como eticamente negativo. Dado que é indevido no interior do sagrado, torna-se uma actuação de sacrilégio ou de violação. O desenvolvimento da narrativa de Dumas vai revelar-nos que assim é.

Quanto ao romancista, na construção das perspectivas que assume como narrador, nunca atribui ao saber das ciências quaisquer perspectivas complementares que lhe permitam desenvolver ou desenhar um quadro do Cosmos que ultrapasse a observação razoavelmente empírica das aparências. Tudo está feito pelo grande arquitecto, é ele que assegura a coerência do Cosmos e das suas manifestações.

Por isso, ao sábio, compete-lhe aprender as fórmulas da manipulação, mas não o sentido dos fenómenos, que está estabelecido de uma vez por todas. A alquimia (em sentido lato e algo metafórico, claro!) não anda, neste caso, muito longe da teologia.  Aliás, na poética de Dumas, mesmo a descrição elementar de quadros do mundo, sobretudo da natureza, são, comparando-os com os diálogos e as narrações de acções, por exemplo, raros (pelos menos dentro da parte da sua gigantesca obra que nos foi dado ler) e, isso, possivelmente, porque a interrogação dos mesmos, da razão de ser das suas origens (as fontes,  as causas – mas também, complementar e simetricamente, as interacções e consequências), não era material que interessasse a uma tal visão do mundo.

O homem de Dumas não age sobre o universo, nem é por ele transformado. Move-se no seu interior sem um saber científico. Quando o saber emerge, apresenta-se como uma perversão face ao sagrado, uma acção de feitiçaria. As relações são mais entre as personagens e os entes mágicos ou as suas manifestações intencionais, no que respeita ao cosmos (um ente supremo desencadeia uma catástrofe, por exemplo), do que entre as personagens e os fenómenos da natureza – de um modo geral e relativo, evidentemente

Não será essa a posição de Hugo. Neste, embora nunca apareça uma figura importante de cientista, a visão científica do universo como questão estética, como material de construção poética, é fundamental. Em nosso entender, num processo complexo que não podemos dilucidar aqui inteiramente, mas que abordaremos de modo parcial, o trabalho poético de Hugo assenta na validação do discurso científico, retomando a linha das poéticas do humanismo renascentista que, em primeiro lugar, fizeram sentir a sua necessidade, embora nem sempre o tratassem satisfatoriamente como elemento central da elaboração poética.

cliff beside sea water under bright sky

Esquecendo a anatomia dos pintores e escultoras da Renascença italiana, abordemos a questão através de um dos nossos clássicos. E façamo-lo num texto que é de antologia e tem sido de “escolaridade obrigatória”. Trata-se, como se suspeitará, a partir do que anteriormente dissemos, do canto V de Os Lusíadas.

De facto, aí, vamos encontrar duas descrições de forças naturais observadas que o narrador Vasco da Gama cita, quer como fenómenos de que ouviu falar, quer como ocorrências que ele próprio observou: de um modo geral, o que acontece é que ele confirma como verdadeiras as coisas extraordinárias que já eram da “enciclopédia” dos nautas, antes da viagem que o celebrizou.

São elas “cousas do mar, que os homens não entendem”, mas que ele Gama, viu, confirmando o “que os rudos marinheiros, que tem por mestra a longa experiência, contam por certos sempre e verdadeiros” (est. 16-17).

    Em seguida, não só os enumera sumariamente – “súbitas trovoadas temerosas, relâmpados que o mar em fogo acendem, negros chuveiros, noites tenebrosas, bramidos de trovões que o mundo fendem” (est. 16) –, mas ainda  apresenta de forma mais pormenorizada  “as nuvens do mar com alto cano sorver as águas do oceano”, num quadro descritivo conhecido como “a tromba marítima” (est. 19), e “o lume vivo que a gente marítima tem por santo” (est. 18), numa apresentação evocativa (enargueia) –  que faz amplo apelo aos termos designativos do visual – conhecida como a do “fogo de Santemo”.

fountain pen on black lined paper

No entanto, devemos notar que, para a funcionalidade da narrativa que está a ser desenvolvida, a da viagem que leva à descoberta do caminho marítimo para a Índia contornando África, a função das descrições é quase puramente ornamental. Porque, logo um pouco à frente, ainda no mesmo canto, a verdadeira função da manifestação das forças e energias do Cosmos como obstáculo a ser ultrapassado, pelo conhecimento e pela coragem, é representada pela figura do Adamastor.

Neste episódio, de qualidade estética e invenção narrativa unanimemente reconhecidas, emergem os elementos do clima e da topografia, bem como a mecânica das correntes e dos ventos, numa figuração alegórica que os dramatiza, constituindo-os como forças passionais, que entram em jogo com a vontade e a coragem dos navegantes. Dada a proximidade das descrições, quase marcadas pela vontade de fazer cartografia e climatologia dos obstáculos geográficos e das tempestades, e a representação “dramatizada” do episódio do Adamastor, que surge poucas estrofes adiante, quase se poderia sugerir que a entidade “Terra” ganha aparência de energia e de força ameaçadora, através das acções deslocadas – por figuração – para o actuar e dizer do titã,  não pelo exibir das suas próprias características dinâmicas.

É claro que tal atitude poética do nosso épico renascentista não nos pode surpreender. Está em causa, na construção do seu discurso narrativo, a intensa aprendizagem da epopeia clássica, de gregos e romanos, para os quais as forças terrestres exprimiam as magnitudes, sentidos e paixões de entes primordiais, fontes de toda a energia cósmica – ou, explicitanto a inversão imaginária, os entes eram a realização das forças, não as suas representações, mas a sua verdade ontológica.

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Devemos notar, no entanto, que o sentido dos factos observados no conhecimento do mundo, das coordenadas e características dos elementos terrestres era, desde então, motivo de interrogação científica para os próprios poetas, que, no entanto, não hesitavam em simplificar a representação desses mesmos factos através dos mitemas conhecidos.

Narrar uma viagem implicava estar atento aos elementos empíricos que constituíam essa viagem, muito embora a compreensão dos fenómenos, sobretudo os de mais evidente dinamismo, carecesse do saber livresco de séculos anteriores – quase sempre poético, ele próprio, dado que ser cultivado era ser letrado, e ser letrado passava por conhecer os épicos, os trágicos, os físicos, os filósofos, os cronistas…

Posto isto, deve ser lembrado aqui que um outro filão discursivo nascia já por essa época, num tipo de textos que se desenvolve em paralelo àquele  a  que hoje chamamos literatura,  constituindo-se à margem das obras canónicas – mas mantendo relações com elas, muito embora se desenvolvesse em projectos que se podem relacionar com o discurso científico. De um modo geral, podemos chamar-lhe narrativas de viagens – mas teremos de admitir que os autores dessa genealogia se situam, na variedade de tendências que representam, entre Garcia de Orta e Fernão Mendes Pinto.

Admitindo, com um imediatismo de intuição de leitor (o qual, por razões óbvias de espaço, não tentamos explicar aqui), que o segundo se encontra muito perto daquilo a que chamamos hoje literatura (e da melhor), e o primeiro não tanto, mantendo-se os seus “colóquios” sobre as “drogas e os elementos simples” num campo que seria hoje o de uma botânica, de uma química, de uma química orgânica, fazemos-lhe uma breve referência.

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Efectivamente, em Peregrinação, o saber enciclopédico, organizando a experiência empírica da arte da navegação, perspectiva o remoinho dos Cosmos, com os seus ventos, as suas marés, as suas tempestades, os seus territórios virgens, agrestes e quase inexpugnáveis, como uma entidade que não se faz representar por outrem.

Nele se apresentam e encenam as forças do cosmos tal como ainda hoje se podem apresentar no discurso científicos os elementos da natureza, quando se trata, para este discurso, de os referir de modo amplo e perceptível por todos. As forças dos elementos são aceites como um facto, sem precisarem de intermediários mitológicos para os explicar – e produzem efeitos que, embora apresentem a face do destino, não reconfigurem por isso, no mundo em que a miséria humana se processa no absurdo da sua fragilidade, uma vontade celeste antropomórfica.[1]

O empirismo propõe, como primeira atitude favorável ao desenvolver da ciência, uma espécie de “pacto de aceitação da factualidade enquanto tal”. Assim, os fenómenos podem ser enigmas, sem que sejam obras ou manifestações de entes. Podem constituir fonte de perguntas sem que a sua explicação tenha de ter uma resposta urgente, feita mais de crença do que de saber. O Cosmos é, assim, na espantosa narrativa de Fernão Mendes Pinto, uma força imanente que é preciso reconhecer na sua empiricidade. Sem esse saber dos factos, a actividade humana desenvolve-se erraticamente.

Aliás, como se percebe no episódio da tempestade durante o qual desaparece o pirata António de Faria e o tesouro que tinha roubado com o seus cúmplices, o desencadear das forças do Cosmos é representado por imagens de fenómenos físicos sem explicação, que a si próprias se representam, forças do acaso e da fatalidade neutra  que se desencadeia e contra a qual o homem se talha na sua autenticidade.

A densidade desse confronto existencial, que já em finais do século XVI (data presumível da redacção, embora o primeiro manuscrito que se conhece, que nem é atribuível à vontade expressa do autor – suspeitando-se que foi amplamente remanejado -, date de inícios dos séc. XVII), era uma das forças principais da intensidade poética da Peregrinação, pode-se considerar uma das pedras de toque da construção do realismo textual de Hugo.

Uma das suas figures recorrentes, em textos narrativos e líricos sobretudo (mas também em muitos discursos das personagens, no teatro), é o defrontar das forças do Cosmos pelos seus heróis. Os animais, os ventos, as marés, os rochedos, as propriedades dos materiais são, no seu romance Les travailleurs de la mer, autênticas potestades que, sem aparecerem sob formas antropomorfizadas, actuam como verdadeiras personagens.

Em grande parte, o antagonismo fundamental que constitui a acção central nesse romance, é a luta entre um jovem experto nas lides do mar, e as forças do oceano, contra as quais tem de lutar para levar a cabo a sua tarefa de recuperar o motor de um barco a vapor. O objectivo do jovem herói é, no entanto, conquistar a mão da donzela que ama, a qual lhe fora prometida pelo pai da rapariga, caso conseguisse recuperar o mecanismo a vapor do seu barco, desmantelado durante um naufrágio contra um rochedo do canal da Mancha.

Para o efeito, o jovem parte sozinho, na sua pequena mas sólida embarcação de pesca, movida pela força do vento. A tarefa é pesada, quase impossível, pois o conjunto de recifes contra os quais o vapor naufragara era muito escarpado e de difícil acesso, como o estado das marés e dos ventos era inconstante, com permanentes tempestades, ventos fortes e agitações tumultuosas das águas. Dominando o conjunto de rochedos, destacava-se um: “L´Homme” (p.201).

É esse conjunto de elementos, actuando pelo seu estatismo (escolhos do recife, inacessibilidade dos rochedos) e pela dinâmica tempestuosa (ventos, ondas, trovoadas e marés), que Gilliatt (assim se chama o protagonista) irá enfrentar, pela aplicação de uma espécie de tecnologia oriunda de algum saber (Gilliatt lia alguns livros – p. 22-23 – embora se vestisse como “ouvrier où matelot” – p. 13 – o que, naqueles locais das “ilhas do canal”, o identificava com as populações humildes e iletradas); de um poder físico de “barbare antique”, as marcas de “homme hardi et persévérant” nos vincos do rosto e na tez  a “sombre masque du vent et de la mer” (p. 34)  – enfim, sendo de “taille ordinaire et de force ordinaire, il trouvait moyen, tant sa dextérité était inventive et puissante, de soulever des fardeaux de géant et d´accomplir des prodiges d´athlète” (p.34); das graças de homem do mar como pescador e nadador (p. 36);  do “instinct” que, para distracção, o levou a aprender três ou quatro ofícios “menuisier, ferron, charron, calfat, e même un peu mécanicien” (p. 38); e de uma disponibilidade inventiva dinamizada pela sua posição de solitário e apaixonado.

Veremos, um pouco mais em pormenor, um quadro do confronto desenhado entre este atleta da habilidade e da firmeza e as forças universais que desafia, para repararmos como para tal o discurso científico é um dos materiais a que Victor Hugo recorre para construir a sua representação. Tendo em vista tal demonstração, teremos de recorrer a um pequeno excerto, resumindo os contextos espaciais e situacionais em que ele aparece.

Como já se explicou resumidamente em parágrafos anteriores, Gilliatt vai ao recife onde o barco encalhou. A sua chegada ao local merece, por parte do narrador, uma apresentação do local, e das características que o tornavam um obstáculo e mesmo um adversário. Contudo, antes de o apresentar enquanto “escolho” singular, concreto, o autor elabora a sua pequena entrada enciclopédica “esclarecedora”. Eis um excerto de tal verbete-resumo do saber, construído como explanação propiciatória da compreensão das “forças” do espaço onde a acção se vai desenrolar:

Un écueil corridor est orienté. Cette orientation importe. Il en résulte une première action sur l´air et sur l´eau. L´écueil corridor agit sur le flot et sur le vent, mécaniquement, par sa forme, galvaniquement, para l´animation différente possible de ses plans verticaux, masses juxtaposées et contrariées l´une par l´autre. /Cette nature d´écueils tire à elle toutes les forces furieuses éparses dans l´ouragan, e a sur la tourmente une singulière puissance de concentration./ De la, dans les parages de ces brisants, une certaine accentuation de la tempête./ Il faut savoir que le vent est composite. On croit le vent simple ; il ne l´est point. Cette force n´est pas seulement chimique, elle est magnétique. Il y a en elle de l´inexplicable. Le vent est électrique autant qu´aérien” (p. 247). 

shipwreck on shore

O excerto que aqui apresentamos é uma breve amostra. Esta “explicação” sobre o vento e sobre o mar, que não exclui muitas outras anteriores e posteriores, estende-se por mais algumas páginas, antes de chegarmos de novo à situação singular em que o herói se encontra. Embora não seja um sábio, nem o conhecimento enunciado pelo narrador pareça decorrer da personagem, como que revelando o seu pensamento íntimo, deduzimos que a astúcia do jovem herói, que acima apresentámos resumidamente, é capaz de inferir as ameaças a partir da sua experiência empírica.

Gilliatt se connaissait assez en écueils pour prendre les Douvres fort au sérieux. Avant tout, nous venons de le dire, il s´agissait de mettre en sûreté la panse. (…) Les sommets lointains des bas-fonds, mis hors de l´eau par la marée descendante, aboutissaient sous l´escarpement même de l´Homme à une sorte de crique, murée presque de tous côtés par l´écueil. Il avait là évidemment un mouillage possible. Gilliatt observa cette crique. Elle avait la forme d´un fer à cheval, et s´ouvrai d´un seul coté, au vent d´est, qui est le moins mauvais vent de ces parages. Le flot y était enfermé et presque dormant. Cette baie était tenable. Gilliatt d´ailleurs n´avait pas beaucoup de choix” (p.250-252)

    Notaremos, a partir deste texto, como todos os dados da descrição, quer resultem da observação directa do herói (ou como que através dele, dado que a sua presença justifica o olhar, e os seus interesses – como aportar, como obter segurança da concha formada pelos rochedos – o privilegiar de objectos e ângulos de visão), quer provenham da voz autoral do narrador (tornando-se a autoridade, pelo modo como debita o conhecimento, autoralidade) apontam para a construção de agrupamentos e condições que sugerem o conflito: por um lado as energias cósmicas, anunciando sempre o limiar da catástrofe, e por outro o herói, avaliando os obstáculos e o eventuais adjuvantes que encontra, preparando-se para resistir à tormenta.

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É curioso notar ainda que, um dos rochedos do recife, o mais imponente, é conhecido por “Homme”, o que lhe cria um estatuto ambíguo quer na representação simbólica quer na função que vai assumir na acção, ora adversário do herói, colaborando com a tempestade e a maré, ora seu aliado, dando-lhe apoio.

É isso que se percebe durante a faina do herói, cujo comportamento, quer na construção dos mecanismos de apoio ao seu trabalho, quer na defesa do porto onde tem a embarcação, lembra os titãs, os deuses ou os heróis da epopeia clássica: Prometeu, Hefestos, Ulisses ou mesmo Ajax ou Heitor. Todas essas figuras, porém, surgem como referências nunca explicitadas. O processo de evocação é tão só desencadeado pelo trabalho do herói: o domínio do fogo e da forja (Prometeu, Hefesto); os conhecimentos do mar e das suas “traições”, contra as quais tem de usar precaução e astúcia (Ulisses); e a capacidade de defender o seu território contra as investidas do grande adversário em fúria (Ajax e Heitor).

Serve-nos de exemplo do modo como herói é construído, o pequeno excerto que em seguida apresentamos:

 “Gilliatt fit la forge./ La deuxième  anfractuosité choisie par Gilliat offrait un réduit, espèce de boyau, assez profond. Il avait eu d´abord l´idée de s´y installer ; mais la bise, se renouvelant sans cesse, était si continue e si opiniâtre dans ce couloir qu´il avait dû renoncer à habiter là. Ce soufflet lui donna l´idée d´une forge. Puisque cette caverne ne pouvait être sa chambre, elle serait son atelier. Se faire servir par l´obstacle est un grand pas vers triomphe. Le vent était l´ennemi de Gilliatt, Gilliatt entreprit d´en faire son valet. (…) La forge que Gilliatt voulait établir était ébauchée par la nature ; mais dompter cette ébauche par la nature ; mais dompter cette ébauche jusqu´à la rendre maniable et transformer cette caverne en laboratoire, rien n´était plus âpre et plus malaisé” (p.269).

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Nesta luta o herói não só desenvolve os seus dotes, como manifesta a capacidade de aplicar novas soluções a partir de desafios que os obstáculos lhe colocavam. Nomeadamente, são de considerar as construções da “grua”, que ele se vê forçado a fazer, para elevar a gigantesca máquina salvada do naufrágio, e as barreiras, calculadas segundo a necessidade de resistência à energia hidráulica do mar.

Efectivamente, a voz narrativa não deixa de aplaudir o saber artesanal de Gilliatt, comparando-o a um célebre pedreiro medieval que, antes da descoberta das leis físicas que orientavam cientificamente o seu trabalho (as do atrito), fez deslizar um gigantesco relógio num brilhante cálculo de forças estáticas e dinâmicas. No entanto, Gilliatt seria mais notável do que esse pedreiro, na medida em que trabalhava sozinho, e tinha de suspender a sua máquina de muitas centenas de quilos, para a transportar para a embarcação de salvamento (pp. 289-290).

As considerações sobre a física e a tecnologia, no desenvolvimento da operação, são apresentadas pelo autor, recorrendo sempre à referência a conhecimentos desenvolvidos pelas ciências do século XIX.

É igualmente com grande precisão descritiva, pelo recurso ao léxico e saber tecnológico e científico, que a luta contra o mar nos á apresentada, desenvolvendo-se a descrição a partir na narração das tarefas do herói:                   

  “Gilliat, avec cette adresse qu´il avait, plus fort que la force, exécutait une manœuvre de chamois dans la montagne ou de sapajou dans la forêt, utilisant pour des enjambées oscillantes et vertigineuses la moindre pierre en saillie, sautant à l´eau, sortant de l´eau nageant dans les remous, grimpant au rocher, une corde entre les dents, un marteau à la main, détacha le grelin qui maintenait suspendu et collé au soubassement de la petite Douvre le pan de muraille de l´avant de la Durande, façonna avec des bouts de haussière des espèces de gonds rattachant ce panneau aux gros clous plantés dans le granit, fit tourner sur ces gonds cette armature de planches pareilles à une trappe d´écluse, l´offrit en flanc, comme  on fait d´une joue de gouvernail, au flot qui en poussa et appliqua une extrémité sur la grande Douvre pendant que les gonds de corde retenaient sur la petite Douvre, au moyen des clous d´attente plantés d´avance, la même fixation que sur la petite, amarra solidement cette vaste plaque de bois  au double pilier de goulet, croisa sur ce barrage une chaîne comme un baudrier sur une cuirasse, et en moins d´une heure cette clôture se dressa contre la marée, et la ruelle de l´écueil fut fermée comme une porte” (pp.310311).

Encontramos neste excerto um dos típicos procedimentos descritivos que remonta à tradição homérica, e que já nesse modelo clássico aparecia como propiciador de uma visão dos objectos disciplinada pela sabedoria e naturalizada pelo acto narrativo de mostrar a personagem produzindo (ou entrando em contacto com) o objecto da descrição. O domínio pleno da obra por parte do seu “artesão”, que aqui nos aparece, remete-nos para a construção da ekphrasis, termo que Hamon considera designar a “descrição literária (seja ou não integrada na narrativa) de uma obra de arte real ou imaginária (…) que determinada personagem da ficção encontra.

Exemplo sempre citado: o escudo de Aquiles” (1991: 8). O célebre exemplo aqui citado evoca o episódio da Ilíada, em que é feita a descrição do novo escudo de Aquiles, o qual aparece passo a passo, através da apresentação das diversas etapas da sua confecção por Hefesto, o deus dos fogos e dos vulcões. A descrição como que se naturaliza, através da narração do fazer do objecto descrito[2].

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Ora, esta modalidade de discurso, tão privilegiada na apresentação de obras de arte, ou técnicas (no sentido forte da sua raiz etimológica: téchnê), é, na tradição da boa prática da escrita (de que a literatura seria um caso maior), quase indissociável do “dizer” científico. Philippe Hamon, a cujos trabalhos de investigação sobre a descrição recorremos mais uma vez, coloca a questão com muito clareza, elucidando com a sua perspectiva a argumentação que aqui defendemos:

o enunciado descritivo é, sem dúvida, próximo, materialmente e psicologicamente, dos textos do saber para a constituição dos quais ele contribui pela sua própria actividade, ou que ele consulta para verificar e autentificar a sua descrição. (…)Deve notar-se, em primeiro lugar, que um saber (de palavras, de coisas) é, não apenas, um texto já aprendido, mas, também, um texto já escrito, algures, e a descrição pode, então ser considerada, em maior ou menor dimensão, como o lugar de uma reescrita, como um operador de intertextualidade; de-sribere, lembremo-nos, é, etimologicamente, escrever segundo um modelo. Esta operação de intertextualidade pode ocorrer entre textos disjunto de produtores diferentes (Zola para descrever o jardim, em La Faute de L´abbé Mouret, recopia os manuais e os catálogos de horticultura), como entre textos disjuntos do mesmo produtor, de acordo com um método e com protocolos de escrita, datados mas suficientemente difundidos universalmente, que consistem, para um autor descritivo, em reunir, primeiro, a sua documentação antes de escrever a sua descrição, seguidamente  em escrever, primeiro, as suas partes descritivas, antes de redigir as partes mais propriamente narrativas que as encaixarão (…) Tal processo revalida, então, a oposição ideológica entre a narrativa (a imaginação) e a descrição (o saber) e mesmo, no interior da descrição, entre um saber previamente registado pelo estudo da natureza, e a sua reescrita posterior. A operação de intertextualidade é, então, dupla, produzindo-se o rewriting no interior de uma mesma escrita, e de uma escrita para outra; mas devendo as estruturas e as marcas desse duplo enxerto ser apagadas e rasuradas tanto quanto possível  (no texto legível-referencial-clássico), o apelo ao reconhecimento, por parte do leitor, dos campos lexicais actualizados, deve fazer-se com base na ignorância da sua origem textual, ou seja, do facto de ele ter sido copiado e recopiado (de um outro texto; do dossier preparatório do autor). De onde resulta, como veremos, a grande quantidade de processos narrativos destinados a «naturalizar» a inserção do discurso do outro (o documento) no texto descritivo” (1993: 48-49).

Parece-nos que, na fundamentação da poética de Hugo, são bem importantes estes mecanismos de oficina de escrita. O que perpassa, na leitura atenta do texto, projectando-o, em cotejo, sobre outros similares ou próximos, não é o nascimento da descrição (a partir do romantismo, com uma “época de ouro” no naturalismo) em oposição a um classicismo que o desconhecesse. É claro que, na tradição poética ocidental, da Grécia clássica até ao romantismo francês, a descrição sempre existiu.

O que acontece é que as operações de reescrita, a partir do romantismo, e em Hugo muito em especial, para atingirem a validação poética, têm de lançar mão do disfarce de que fala Hamon, para que o não literário (o documento mundo e o documento sobre o mundo) se literarize

O que não era necessário no caso da poética clássica que importava os seus textos, para os reescrever, da tradição literária, de um saber que já era literário (até porque todo o saber, até ao séc. XVIII, era fundamentalmente letrado, sendo as letras um acesso ao conhecimento procurado sobretudo nos mestres poetas – porque os poetas eram transmissores da ciência, em pé de igualdade com aqueles que hoje reconhecemos como cientistas: Galileu, Cirano de Bergerac, Rodrigues Lobo e Garcia de Orta escrevem diálogos, numa dimensão criativa em que é difícil dizer onde começa o literário e acaba a ciência, ou vice versa), de uma literatura que transmitia “ciência”, de uma ciência que só se podia fazer com o domínio das letras que as poéticas forneciam.

Se é certo que o poeta, no dizer de Hugo, se defronta com o cientista, não é para o ultrapassar, como o criador poético sugere no seu texto sobre Shakespeare. Em nosso entender, a operação poética mais importante nesse confronto, é a absorção do discurso científico pelo poético. Pelo que aquele introduz neste de desafio, de renovação lexical, de abertura de perspectivas sobre o cosmos e sobre as relações do homem com este. E cremos que há, desde então, um virtuoso intercâmbio entre os campos: ele anuncia-se, sobretudo, no modo como a ciência recorre à metáfora para conceptualizar, e no processo segundo o qual a criação literária despe as roupagens da alegoria ao universo, para tomar em consideração o dramatismo das forças cósmicas. 

A importância de tal relação, não reside apenas no modo poético de construir e dar a ver as forças do universo tal como o discurso científico as via. Em nosso entender, no diálogo que estabelece com as ciências, a criação poética desenvolve, pelo modo como vislumbra o universo, as condições para que a própria ciência ultrapasse as barreiras que se criaram entre o animismo e o vitalismo, ou seja que se possa pensar sem escândalo que “caia a barreira entre orgânico e mineral” (François Jacob, 1971: 136).

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E, mais ainda: na sua dramatização das relações do homem com o cosmos, ao atribuir ao cosmos uma retórica que interage com a do homem na expressão e defesa dos seus valores, ela pressupõe o desenvolver de conceptualizações que antecipam os passos que, a partir de meados do século XIX, permitem desfazer a mitificação que assentava no conceito-barreira de força vital. E em Hugo, por certo, desenham-se as novas formas de perspectivar o objecto das ciências químicas, físicas, biológicas e genéticas que permite o aparecer como evidente, hoje em dia, que os seres vivos são “a sede de um triplo fluxo: de matéria, de energia e de informação” (F. Jacob, 1971:137).

Ora, se a biologia, como reconhece o mesmo cientista, estava já, então, em condições de reconhecer o fluxo da matéria (cf. Jacob, 1971: 137-138), é na criação poética que o vislumbre utópico dos outros dois fluxos se desenham, antes de emergir claramente nas novas concepções das ciências que se declaram no princípio do século XX. Entre as obras que constroem o dizer dessa energia, que fazem as forças da natureza significar na construção da ficção, como dirá, quase na mesma época, Zola, conta-se a de Victor Hugo.

Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora


Bibliografia:

Bronowski, J., 1986, Magia, ciência e civilização, Edições 70, Lisboa

Camões, Luís, Os Lusíadas, 1987, Areal, Porto

Dumas, Alexandre, Joseph Balsamo, s/d, Calmann-Lévy, Paris

Greimas, A. J. E J. Courtés, (1979) s/d, Dicionário de Semiótica, Cultrix, S. Paulo

Hamon, Philippe, 1991, La description Littéraire, Macula, Paris

Hamon, Philippe, 1993, Du descriptif, Hachette, Paris

Hugo, Victor, s/d[1864], William Shakespeare, Nelson, Paris.

Hugo, Victor, 1979[1866] Les travailleurs da la mer, Hachette, Paris.

Jacob, François, 1971, A lógica da vida, Dom Quixote, Lisboa


[1] Simplificamos aqui uma questão bastante complexa. No entanto, assentamos o nosso reconhecimento da importância do discurso científico na literatura no ponto básico de o dado empírico valer por si, como axiologia, e não depender de valores fora da esfera da descrição em que se apresenta. Acompanhando um mestre da teoria da linguagem, semioticistas como Greimas e Courtés escrevem: “Para L. Helmeslev, é científica qualquer semiótica que seja uma operação (ou descrição) conforme ao princípio de empirismo” (1979:46). Temos em atenção, também, obviamente, o discurso dos cientistas da natureza, filósofos e historiadores da ciência, e aceitamos como base um enunciado como o de Bronowski: “Sustento que a revolução científica de 1500 em diante constitui uma parte essencialmente do Renascimento, que sem ela o renascimento não podia ser convenientemente entendido como uma reavaliação do homem (…) Desde essa época temos estado na posição ímpar de formar uma imagem única do conjunto da natureza, incluindo o homem. Trata-se de um novo empreendimento; difere dos empreendimentos precedentes pelo facto de não ser mágico, com o que pretendo significar que não supõe a existência de duas lógicas, a lógica do natural e a lógica do sobrenatural” (1986: 49-50) 

[2] Aqui fica, a título de exemplo, um pequeno excerto de acordo com a tradução, altamente conceituada, de Frederico Lourenço: O Escudo de Aquiles (Ilíada, canto XVIII vv.478-490, dispostos linearmente) “Fez primeiro um escudo grande e robusto, todo lavrado, e pôs-lhe à volta um rebordo brilhante, triplo e refulgente, e daí fez um talabarte de prata. Cinco eram as camadas do próprio escudo; e nele cinzelou muitas imagens com perícia excepcional. Nele forjou a terra, o céu e o mar; o sol incansável e a lua cheia; e todas as constelações, grinaldas do céu: as Plêiades, as Híades e a Força de Oríon; e a Ursa, a que chamam Carro, cujo curso revolve sempre no mesmo sítio, fitando Oríon. Dos astros só a Ursa não mergulha nas correntes do Oceano”.

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