Embora a imprensa mainstream portuguesa continue sem querer mostrar aos seus leitores o que se passou na Inglaterra durante a pandemia – a partir das revelações das mensagens de Whatsapp do antigo ministro da Saúde Matt Hancock, que têm estado a ser notícia no The Telegraph –, o PÁGINA UM continua o seu serviço público. E com o seu espírito de missão: informar sobre a realidade quando os outros órgãos de comunicação social deformam: por deturpação ou omissão. Siga aqui as outras notícias que já publicámos sobre os Lockdown Files. Recordamos que o PÁGINA UM tem em curso nos tribunais administrativos vários processos de intimação, colocados no ano passado, para a obtenção de documentos administrativos, embora, infelizmente, não incluam as mensagens de WhatsApp de Marta Temido ou de Manuel Pizarro, ou até de Graça Freitas.
A cada dia de revelações dos Lockdown Files que está a abalar a Inglaterra, mais se confirma que a Ciência – sempre invocada ao longo dos últimos três anos para justificar restrições e imposições – foi sequestrada e substituída por uma sósia: a política.
Em novas revelações do jornal The Telegraph, mostra-se que o antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, rejeitou o conselho de Chris Whitty, director médico da Inglaterra, para substituir a quarentena de 14 dias de isolamento por um período mais curto de cinco dias, porque isso “implicaria [assumir] que estamos errando”.
De acordo com as mensagens de WhatsApp gravadas por Hancock, o ministro foi informado em 20 de Novembro de 2020 por Chris Whitty que seria “muito bom” – isto é, bastaria – um período de cinco dias para os casos suspeitos (por contacto com infectados) “em vez” de isolamento de quinze dias. Nas mensagens, os dois concluem que o período de quarentena de 14 dias provavelmente foi “muito longo o tempo todo”. Até então, de acordo com o The Telegraph, quase um milhão de ingleses tinham sido instruídos, sob pesadas multas, a se auto-isolarem por quinze dias inteiros, mesmo que não apresentassem sintomas, se tivessem tido algum contacto de risco.
Embora o Governo de Boris Johnson tenha acabado por reduzir o período de auto isolamento para 10 dias em Dezembro de 2020, a medida não tinha qualquer sustentação científica. Somente em Agosto de 2021 alguns grupos populacionais ficaram totalmente isentos da exigência.
Hancock também não desejaria mudar as regras, até porque, estando em processo a compra de vacinas, este político estava então, em finais de 2020, a montar uma campanha de medo para assustar as pessoas até “borrarem as calças”.
Esta guerra psicológica do “Project Fear” – a estratégia usada pelo Governo de Boris Johnson agora revelada pelos Lockdown Files – jamais pode ser repetida. Pelo menos é esta a garantia que diversos políticos, sobretudo da ala conservadora, e também já alguns especialistas, desejam para o futuro, à medida que são reveladas mais mensagens entre o ex-ministro da saúde Matt Hancock, os seus assessores e diversos membros do Governo britânico e altos quadros de Saúde Pública.
Um dos mais críticos tem sido o parlamentar Charles Walker, destacado membro do denominado Covid Recovery Group – que se mostrou angustiado com os comportamentos de Matt Hancock que, no final de 2020, sem qualquer base científica, aproveitou o surgimento de uma variante (que seria baptizada de Alfa) para montar uma campanha de medo e justificar assim mais confinamentos e a obediência popular.
“O que me deixa tão furioso são os malefícios e a guerra psicológica que desenvolvemos contra os jovens e a população, em geral, com todos esses psicólogos comportamentais”, disse Charles Walker ao The Telegraph, acrescentando ser preciso haver agora “um ajuste de contas”.
Este político conservador lamentou que o Parlamento inglês tenha estado “perdido em combate”, permitindo dezenas de restrições com pouco debate. “As vozes discordantes foram catalogadas de anti-lockdown e de extrema-direita; e, na verdade, querer fazer as coisas direitas não é ser da extrema-direita”, lamentou este parlamentar ao The Telegraph, salientando ainda que “fizemos coisas terríveis aos jovens; fizemos coisas terríveis a um grande número de pessoas; e precisamos de ter a certeza de que nunca mais fazemos isso novamente”.
Na mesma linha, Craig Mackinlay, outro parlamentar conservador que também integrava o Covid Recovery Group, disse também ao The Telegraph que o “clima artificial de medo” resultou naquilo que “nos preocupava” quando as restrições foram implementadas: “problemas negativos contínuos de saúde, problemas de educação, e não menos importante, a destruição da nossa economia, à medida que ideias malucas, umas atrás das outras, foram sendo aprovadas”.
Mas não é apenas do lado dos Tories que têm surgido críticas às revelações de um escândalo de graves contornos políticos que, de forma clara, demonstra os perigos de a Saúde Pública ficar sob responsabilidade absoluta em sectores pouco controlados, como se verificará se avançar o tratado internacional sobre prevenção e preparação para pandemias.
O The Telegraph citou ontem até um ex-ministro – não identificado – do governo de Boris Johnson, durante a pandemia, assumindo ser “claro agora que muitos erros foram cometidos”. E defende ainda ser “muito importante que nos certifiquemos de que, caso qualquer evento como este aconteça novamente, tomamos todas as medidas possíveis para preservar o máximo de liberdade possível, em vez de adoptar uma abordagem avessa ao risco e à segurança em primeiro lugar”, acrescentando ainda que o encerramento das escolas foi “diabólico”.
Diversos especialistas começam também a reagir aos conteúdos dos Lockdown Files, que mostram uma absoluta falta de bases científicas na tomada de muitas decisões, e que tiveram consequências desastrosas. Em declarações ao The Telegraph, Karol Sikora, médico especialista em oncologia, diz mesmo que “não há dúvida” de que alguns pacientes com cancro ficaram tão assustados com a pandemia que nem procuraram tratamento para as suas doenças. “Fiquei horrorizado quando li as mensagens do WhatsApp. Estou realmente ansioso pelo inquérito público, mas será uma lavagem de dinheiro”, acrescentou o especialista.
Por sua vez, um professor de Ciência Comportamental na London School of Economics, Paul Dolan, culpou aquilo que diz ser uma mistura de “desvio intencional de missão” e “desvio intencional de especialidade” para dar uma resposta dominada pelo “monopensamento de grupo”. Este especialista exemplifica com as imposições às crianças e jovens, com grande impacte no seu desenvolvimento.
“Foi errado em todos os sentidos deixar os jovens com medo de um vírus que sabíamos muito cedo ser de risco muito limitado para eles”, disse ainda este especialista ao The Telegraph. Com efeito, a taxa de letalidade dos menores foi estimada em cerca de 0,0003%. O risco de vida causado pelo SARS-CoV-2 em jovens saudáveis é irrelevante.
Paul Dolan afirmou ainda não ser “aceitável mentir activamente, alimentando o medo”, defendendo que, embora seja “impossível fazer uma análise de custo-benefício completa de imediato, se deve garantir que os processos estejam em vigor para que diferentes vozes sejam ouvidas.” Algo que não sucedeu; pelo contrário.