NOTA DA DIRECÇÃO (30/03/2022)
O PÁGINA UM publicou este artigo de opinião no pressuposto de ser uma actualização de um artigo publicado em 9 de Maio de 2021 no Observador, intitulado “Da fraude científica à ruína dos povos: o mito da transmissão por assintomáticos”, da autoria de Miguel Menezes e Tiago Mendes.
Constatámos, entretanto, que tanto o artigo do Observador como o artigo ora publicado no PÁGINA UM segue uma linha de raciocínio muito semelhante ao artigo publicado em 6 de Março de 2021 no jornal The Blind Spot, da autoria do seu director Nuno Machado.
O artigo de Miguel Menezes no PÁGINA UM, embora desenvolva muitos aspectos mais recentes sobre a temática em causa, cita e desenvolve pelo menos oito das 15 referências bibliográficas usadas antes por Nuno Machado.
Note-se que Miguel Menezes não faz qualquer referência ao artigo anterior de Nuno Machado. Mesmo se estamos perante um artigo de opinião, e tratando-se este de um artigo de opinião com elementos relevantes do ponto de vista científico, estamos perante uma situação que se poderá considerar um plágio.
Aos leitores fica este aviso. E ao The Blind Spot, e particularmente ao seu director Nuno Machado, o nosso pedido de desculpas mesmo se por algo alheio e involuntário.
O artigo original de Nuno Machado no The Blind Spot pode ser lido AQUI.
No início de Fevereiro, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, admitiu o fim do isolamento para casos positivos assintomáticos. Tratou-se de uma admissão da não transmissibilidade dos assintomáticos, ou pelo menos, da não relevância destes para o desenrolar da pandemia? Como se explica este aproximar à evidência científica depois de tantos danos causados pelas medidas adotadas?
A ideia da transmissibilidade de assintomáticos foi um ponto chave para justificar as medidas impostas, embora nunca tenha sido provada cientificamente. Na verdade, o presente artigo apresenta abundantes evidências que apontam precisamente para o oposto.
Verificou-se desde cedo um grande condicionamento na divulgação de informação, apresentando-se uma ideia nova e não fundamentada como se de um facto irrefutável se tratasse, impedindo assim o debate, ao rotular e conotar todos os dissidentes negativamente.
A ausência de informação heterogénea em relação a vários temas da atualidade, reprime o pensamento crítico e conduz ao desconhecimento sobre a realidade, o que acontece sobretudo na questão pandémica, facto que contribuiu para a incomensurável e cada vez mais notória degradação da nossa sociedade.
Os danos causados pelas medidas de contenção tiveram por base informação divulgada de forma imprecisa, distorcida e amiúde falsa, sem direito ao contraditório e por quem ocupa posições de poder. Promoveu-se um pensamento unilateral, e consequentemente, a crença de que as consequências se devem à pandemia e não às medidas, ilibando os decisores de responsabilidades.
Este artigo resulta de uma revisão completa da literatura científica acerca do tema, além dos acontecimentos que conduziram à adoção generalizada da crença no mito da transmissão por assintomáticos e alguns exemplos das suas consequências gravosas.
1 – Origem do mito
Historicamente, o papel dos assintomáticos na transmissão de infeções respiratórias foi sempre relativizado. A ideia, quase consensual, sempre foi a de que a transmissão assintomática seria muito mais rara e menos importante do que a que ocorre nas pessoas com sintomas.
Anthony Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases norte-americano e um dos principais membros da equipa da Casa Branca destacada para a COVID-19, afirmou a 28 de janeiro de 2020:
“O que as pessoas precisam perceber é que, em toda a história de vírus respiratórios de qualquer tipo, mesmo que haja alguma transmissão assintomática, esta nunca foi a propulsora de surtos. Os surtos são sempre essencialmente dependentes do contágio em pessoas sintomáticas. Mesmo que haja um raro evento de transmissão por uma pessoa assintomática, uma epidemia não é causada por nem evolui com base em portadores assintomáticos.”
Dois dias após a declaração de Fauci (a 30 de Janeiro de 2020), surgiu uma carta dirigida aos editores e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) com um caso de uma transmissão por um indivíduo assintomático.
O polémico Fauci, que tem sido muito criticado por alegados conflitos de interesse com a Indústria Farmacêutica, reformulou subitamente toda a sua posição anterior, afirmando:
“Não há dúvidas, depois de ler a carta [do NEJM], de que a transmissão assintomática é uma possibilidade (…). Isto esclarece a questão.”
Esta posição de Fauci, aparentemente definitiva, daquele que é denominado frequentemente como “o maior especialista em doenças infeciosas dos Estados Unidos”, atraiu enorme atenção mediática. No entanto, o citado estudo apresenta irregularidades irreparáveis.
O estudo foi baseado no suposto contágio a partir de uma mulher de negócios chinesa numa visita à Alemanha. Na carta, os autores do estudo referiam:
“Durante a sua estadia, ela estava bem, sem sinais ou sintomas de infeção, mas adoeceu no voo de volta para a China.”
Essa informação revelou-se falsa.
A cidadã chinesa apresentava realmente sintomas durante a sua estadia na Alemanha, quando entrou em contacto com o alemão que adoeceu, como relatado pela revista Science, poucos dias após a publicação da carta. O Instituto Robert Koch (RKI), a agência de saúde pública do governo alemão, em conjunto com a Autoridade de Saúde e Segurança Alimentar do estado da Baviera contactaram a mulher chinesa somente após a publicação do NEJM.
Na Alemanha não foi realizado qualquer teste para confirmar a eventual infeção com o vírus. A cidadã foi testada para o SARS-CoV-2 apenas na China, logo após o seu retorno da Alemanha, tendo sido obtido um resultado positivo.
Os investigadores não chegaram sequer a interagir com a mulher antes da publicação do artigo.
Um dos autores, Michael Hoelscher, do Centro Médico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, afirmou que o documento se baseou em informações de outros quatro pacientes:
“Disseram-nos que a paciente da China não aparentava qualquer sintoma.”
O virologista Christian Drosten, do Charité University Hospital em Berlim, que fez o trabalho de laboratório para o estudo (do qual é um dos autores), disse à Science:
“Sinto-me mal com o que aconteceu, mas acho que ninguém foi culpado.” (…) “Aparentemente, a mulher não pôde ser contactada num período inicial e considerou-se que se tratava de algo que deveria ser comunicado rapidamente.”
(Nota: Christian Drosten tem estado envolto em polémica, por vários motivos, em relação a toda a questão da COVID-19. Um desses motivos é por ter criado o criado o protocolo do teste RT-PCR para a COVID-19, muito contestado pela comunidade científica.
Causa estranheza a publicação de uma carta tão fracamente fundamentada numa revista científica conceituada, e sobretudo as repercussões que teve ao gerar peso mediático suficiente para que a transmissibilidade dos assintomáticos viesse a ocupar um papel chave no corpo conceptual relativo à COVID-19.
O retratamento dos autores da carta não chegou para que Fauci voltasse a alterar a sua posição relativamente à questão dos assintomáticos.
A crença de que os assintomáticos constituíam grave perigo difundiu-se e avolumou-se, pelo que as declarações de Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), a 8 de Junho de 2020, caíram como uma bomba ao referir que as transmissões por assintomáticos eram “muito raras”:
“Possuímos muitos relatórios de países que estão a fazer rastreamentos muito detalhados dos contactos com casos assintomáticos, não encontrando transmissões secundárias. Trata-se de algo raro e que ainda não foi publicado na literatura”.
As declarações foram divulgadas por toda a comunicação social a nível mundial e provocaram fortes reações. De um lado, reações de perplexidade, dadas as medidas adotadas com base nesse pressuposto; de outro lado, reações críticas. Fauci foi um dos críticos.
Nalguns casos, as considerações de alguns especialistas, foram bastante divididas no teor. Por exemplo, o professor Keith Neal afirmou que o “papel da transmissão assintomática no número total de novas infeções permanece pouco claro, mas as pessoas sintomáticas são responsáveis pela maioria das novas infeções da COVID-19”. Já o professor Babak Javid referiu que “pode muito bem ser verdade [que os assintomáticos não transmitem]” e que os dados “sugerem que os verdadeiros assintomáticos raramente transmitem.”
Van Kerkhove apressou-se a fazer nova intervenção, logo no dia seguinte, dando a ideia de algum recuo ou retratação em relação ao que havia proferido. Referiu que a sua afirmação sobre a transmissão entre assintomáticos ser bastante rara baseava-se nalguns estudos e rastreamentos feitos por vários países, mas que tal seria insuficiente para poder afirmá-lo peremptoriamente, porque os modelos informáticos estimaram cerca de 40% de transmissões entre assintomáticos.
Esta intervenção informou-nos de algo fundamental: os estudos no terreno dizem que as transmissões de assintomáticos são “bastante raras”, mas os modelos informáticos, que não são reais e dependem daquilo que neles é inserido, dizem que são significativas (40%).
2 – O que disseram as Agências de Saúde?
Organização Mundial da Saúde (OMS)
“Com base no que sabemos atualmente, a transmissão de COVID-19 ocorre principalmente em pessoas quando elas apresentam sintomas (…)”
European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC)
“As principais incertezas permanecem em relação à (…) dinâmica geral de transmissão da pandemia, devido à evidência limitada sobre a transmissão de casos assintomáticos.”
3 – Assintomáticos e pré-sintomáticos
A destrinça que se passou a fazer entre assintomáticos e pré-sintomáticos é curiosa. Quererá assumir-se que os assintomáticos não transmitem? Quererá admitir-se que se tratam de falsos positivos? Porquê a distinção?
A narrativa dominante sempre se serviu da palavra “assintomáticos” para se referir à ideia de que estes seriam agentes de transmissão, mas à medida que a fragilidade da hipótese se foi tornando evidente, encetou-se a divisão. No entanto, nada se altera, como veremos de seguida.
Num artigo da Nature, assumia-se que a comunidade científica estava dividida relativamente à questão da transmissibilidade dos assintomáticos.
Kuppalli, investigadora de doenças infeciosas na Universidade de Medicina da Carolina do Sul em Charleston, citada no artigo, refere que “assintomático é alguém que nunca desenvolveu sintomas ao longo do curso da sua doença, e pré-sintomático é alguém que apresenta sintomas ligeiros antes de desenvolver sintomas”, embora não exista uma “definição padronizada aceite”.
4 – Testes PCR
Só se pode utilizar estatística frequencista no cálculo da estatística de teste, quando a doença é muito prevalente na população, o que não é o caso com a COVID-19.
O Limite de Prevalência para a COVID-19 foi avaliado em 9,3%, abaixo do qual, a Taxa de Falsos Positivos (TFP = 1 – VPP) aumenta de forma exponencial, o que se denomina como Paradoxo dos Falsos Positivos ou Falácia de Taxa Básica.
No caso da COVID-19, a prevalência nunca foi além dos 1%, estabelecendo-se maioritariamente abaixo dos 0,1% (conforme o fator sazonal). Precisar de uma coorte de 100 mil indivíduos para se encontrar 100 ou 200 positivos é epidemiologicamente considerado uma doença rara.
Por isso, precisa utilizar-se a estatística Bayesiana, para o cálculo da estatística de teste de rastreio, que considera o valor da Prevalência como fundamental para que se possam calcular o Valor Preditivo Positivo (VPP) e Valor Preditivo Negativo (VPN).
Esse ponto é referido no ‘FactSheet‘ da Sciensano, onde se salienta, na página 22, que as “sensibilidades e especificidades relatadas devem ser consideradas com precaução. Outrossim, os valores preditivos positivos e negativos do teste dependerão da prevalência do vírus”.
Ainda que possuísse uma especificidade muito elevada, com prevalências na ordem dos 1% e até muito mais baixas, a TFP estaria sempre muito acima dos 90%, tornando o PCR impraticável como teste de despiste.
A primeira revisão da literatura que compara o PCR com o Gold Standard (cultura viral e não o PCR, conforme referido ignotamente por alguns), observou que os resultados positivos do PCR só se confirmam laboratorialmente 20 a 40% das vezes, um valor chocantemente baixo.
No conhecido manual de Epidemiologia Gordis Epidemiology (SixthEdition) (leitura recomendada para alguns epidemiologistas televisivos), da página 107 à 109, surge um exemplo prático bastante instrutivo da influência da prevalência na TFP.
Um estudo alemão chegou, recentemente, à conclusão que “mais de metade dos PCR positivos não são, muito provavelmente, infeciosos. Desta forma, o teste RT-PCR não deveria ser tomado como uma medida precisa de incidência de infeção pelo SARS-CoV-2.” Isto, por si só, e não sendo necessário recorrer a uma análise ao nível da Biologia Molecular, demonstra o potencial enviesamento que os testes PCR podem introduzir nos estudos de transmissão de assintomáticos.
5 – Estudos apresentados para justificar propagar o mito
São escassos os estudos que sugerem que os assintomáticos têm algum impacto na transmissão, e foram alvo de críticas negativas fundamentadas (algumas reconhecidas pelos próprios autores):
Na conclusão do estudo refere-se que “apesar da grande heterogeneidade dos estudos, a proporção de infeções assintomáticas entre pessoas com Covid-19 parece alta e o potencial de transmissão elevado.”
É preciso distinguir “proporção de infeções assintomáticas” de “transmissão assintomática”. O primeiro é o número de pessoas que testam positivo e permanecem assintomáticos. Nada tem a ver com “transmissão”.
Segundo os autores, os trabalhos que estudaram diretamente a transmissão de assintomáticos foram cinco estudos de série de casos, que no início da pandemia podem ter algum interesse explorativo, mas que oferecem um valor muito limitado em termos de evidência, devido aos vieses associados a este tipo de estudos (sobretudo vieses de seleção) e uma validade interna geralmente muito reduzida. Por isso, os autores recomendam no futuro, a realização de estudos de coorte mais rigorosos. As séries de casos não são estudos epidemiológicos.
Portanto, esta revisão sistemática carece de qualidade geral, não só pela grande heterogeneidade, como pelo desenho dos estudos revistos.
O rastreio dos casos foi feito com o teste PCR, mas para o efeito da transmissibilidade, o estudo é baseado numa simulação matemática.
Utilizaram uma distribuição contínua de probabilidades (gama) para inferir a distribuição da transmissão ao longo do tempo, tendo como base o início dos sintomas.
Trata-se de uma simulação cujos resultados dependem da hipótese assumida à priori de que a transmissão começa antes do início dos sintomas. Poderá ter algum interesse como hipótese de trabalho, mas não constitui evidência científica.
Ainda assim, refere-se apenas 9% das transmissões num período anterior ao início dos sintomas, inferior a 3 dias. Além de ser fruto de uma simulação, esta pequena percentagem, é influenciada pelas várias limitações que o estudo apresenta o que aliás, é reconhecido pelos próprios autores: a) perfil de infecciosidade inferido a partir de pares “infetores-infetados” que pode ter sido enviesado; b) intervalos de série podem ter sido enviesados, desviando o perfil inferido de infecciosidade para o negativo (transmissão antes do aparecimento de sintomas); c) número muito elevado de ciclos de amplificação (ct < 40); d) Transmissões baseadas em inferências.
Além disso, é um estudo retrospetivo, baseado em relatos pessoais, dependentes da memória, e como tal, menos fiáveis.
Trata-se de um estudo proveniente da China, pouco replicável noutros pontos e sabendo-se do estrito controlo em relação ao que é publicado naquele país.
É um Estudo publicado pelo CDC que se identifica como uma “rápida revisão da literatura” e que a nível epidemiológico, se baseia num conjunto de estudos, muito semelhantes no nível científico, com vieses e limitações que comprometem inteiramente o seu objetivo (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui):
a) Pequena amostra, sem qualquer robustez estatística (baseiam-se sobretudo em estudos com famílias);
b) Viés de memória (dados epidemiológicos recolhidos através de entrevistas muito à posteriori, o que incorre em falhas no rigor com que os factos são recordados);
c) Dependência de um teste PCR positivo.
Um dos estudos conclui estranhamente, que um indivíduo pré-sintomático infetou familiares, a despeito de se terem iniciado sintomas visíveis enquanto em contacto com eles. Outro, apresenta o caso de uma família (pai, mãe e filho) que se deslocaram a Wuhan, após o que todos testaram positivo (apenas o pai desenvolveu sintomas). Os autores depreenderam que um dos familiares, pré-sintomático, infetou os restantes, sem ter sido colocada a hipótese de que todos poderão ter sido expostos a uma fonte de contágio comum.
Estes estudos, sem rigor, equiparam-se ao estudo supracitado, acerca de um alegado contágio a partir de uma mulher de negócios chinesa numa visita à Alemanha. Absurdamente, o mesmo continua a ser citado neste estudo do CDC, como prova da transmissão por indivíduos assintomáticos (ou pré-sintomáticos).
Infelizmente, muitas das conclusões da investigação científica que se produz atualmente são falsas e os seus autores não revelam reflexividade sobre o seu trabalho, como refere John Ioannidis num ensaio publicado na PLOS Medicine.
Os padrões da prática científica têm decrescido, sendo pautados por uma mediocridade crescente: menor replicação, menor potência estatística e menos rigor no controlo dos vieses. A tendência de minimizar-se custos associada à pressão para publicar e, por vezes, conflitos de interesse, têm tido como consequência um desvirtuamento da qualidade do trabalho científico.
Esta revisão publicada pela CDC, apresenta ainda “evidências virológicas”, nas quais se reconhece que os relatórios apresentados, não identificaram a transmissão do vírus por pessoas assintomáticas e pré-sintomáticas. Portanto, continua sem se apurar evidências científicas.
Por último, são apresentadas “evidências” através de modelos de estimativas. Os modelos informáticos de estimativas estatísticas, dependem inteiramente dos dados hipotéticos que neles se insere, podendo falhar rotundamente, como sobejamente se reconhecem exemplos.
Noutro estudo publicado pela CDC conclui-se que apenas 6,4% das transmissões ocorreram a partir de assintomáticos, mas este pequeno número pode ser explicado por vieses: trata-se de um estudo retrospectivo, onde todos os eventos de transmissão são hipotéticos, não havendo também confirmação laboratorial dos casos primários. Falamos de um estudo observacional, bastante enviesado, com pouca validade interna, na linha dos referidos anteriormente.
Este estudo utiliza um modelo informático “agent-based” criado pelos autores e inspirado no Covasim, que simula a transmissão de COVID-19 – o chamado SEIR (Susceptible, Exposed, Infectious, Recovered). Como referido anteriormente, os modelos informáticos são suscetíveis de grandes erros, porque dependem inteiramente de hipóteses especulativas. Mencionado no próprio site do Covasim: “Os modelos são tão bons quanto os valores dos parâmetros que neles são inseridos.”
Outra grande limitação é o facto de se tratar de um estudo retrospetivo, que depende muito da memória de cada participante, para definir quais foram os seus contactos sociais (viés de memória).
No rastreio em massa foram realizados 566.320 testes RT-PCR dos quais resultaram 1.099 positivos (prevalência de 0,19%). Com uma especificidade de 97% anunciada pelo INSA, perfaz uma TFP de 94.3%, o que por si só, inviabiliza todo o estudo (ainda que a especificidade fosse quase 100%, com este valor de prevalência, a TFP seria altíssima). Portanto, outra limitação inultrapassável. Se o leitor estiver interessado em aprofundar as contas (Teorema de Bayes) pode consultar os seguintes artigos: aqui e aqui.
Além disso, a amostra foi recolhida através de ação voluntária o que gera um viés de seleção enorme.
Apesar de tudo, os resultados (completamente adulterados pelos lapsos referidos), indicam uma Taxa de Ataque Secundário (frequência de novos casos de uma doença entre contactos com os casos primários conhecidos) menor para os assintomáticos.
Em síntese, trata-se de um estudo que apresenta problemas metodológicos, que o impedem de medir o que pretendia (validade interna), e como tal, não serve para o efeito.
Um mal-entendido comum por parte de quem utiliza este estudo como evidência da transmissão de assintomáticos é afirmar 100% de especificidade e sensibilidade do teste realizado. Os autores realizaram uma estratégia de amostras combinadas (Pooled Samples) contra amostras individuais. Os 100% de especificidade e sensibilidade são por comparação ao PCR de amostras individuais. O que isso significa é que não se contabilizaram erros na mistura e reanálise da amostragem combinada. Isso não significa que o teste em si tenha 100% de sensibilidade e especificidade, porque o próprio PCR não o tem. A única forma de aferir mais exatamente seria compará-lo com o Gold Standard (a cultura viral, que ainda assim, não chega a uma perfeição, que não existe).
Este estudo não apresenta também ele, qualquer evidência de que haja transmissão por assintomáticos (ou pré-sintomáticos). Através da distribuição de ciclos de amplificação, o estudo conjeturou que a distribuição de cargas virais é semelhante entre sintomáticos e assintomáticos. A partir daí, hipotetizou-se que os assintomáticos poderiam transmitir tanto como os sintomáticos. Mas o número de ciclos de amplificação é um surrogate marker (marcador substituto) da carga viral, que por sua vez é surrogate marker da possibilidade de transmissão, ou seja, suposições em cima de suposições.
Qual será o significado de sintomáticos e assintomáticos apresentarem a mesma carga viral? Que o vírus não é causa suficiente para provocar doença. Tudo dependerá do sujeito e do seu sistema imunitário, algo diverso do propagandeado pela narrativa dominante, que desvaloriza o reforço do sistema imunitário por oposição às medidas farmacológicas e não-farmacológicas, na sua maioria, desajustadas.
Acumula-se robusta evidência científica (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), de que as crianças não são agentes de transmissão, o que suporta a ideia de que, o sistema imunitário desempenha um papel chave para a ausência de sintomas e consequentemente, de transmissão.
6 – Estudos que demonstram que a transmissão por assintomáticos é irrelevante
O estudo refere que a proporção de casos assintomáticos foi 17%, afirmação sublinhada por alguns. No entanto, é uma afirmação irrelevante que pode induzir em erro (proporção de assintomáticos não é o mesmo que transmissão por assintomáticos).
O imprescindível do estudo é o seguinte: “as taxas de transmissão assintomática variaram de zero a 2.2%”. A pequena variância acima de zero poderá ser explicada pelos vieses típicos neste tipo de estudos e já enumerados acima, mas o intervalo de confiança começa no zero, pelo que não é estatisticamente significativa para se provar existência de transmissão assintomática.
Este estudo não observou qualquer transmissão assintomática, no entanto, são válidas algumas limitações ao estudo, elencadas na referida carta ao editor.
Este estudo observou uma menor probabilidade de transmissão de casos assintomáticos: 0,3% (correspondente a uma pessoa em 305 contactos sociais), um valor com um intervalo de confiança de 0 a 1% (que não encontra prova da existência de transmissão assintomática estatisticamente significativa), e cuja variância acima de 0% é facilmente justificável através dos vieses já referidos.
Uma das conclusões do estudo, é que a transmissão por casos assintomáticos em casa é pequena, com uma proporção de 0,7%, com um intervalo de confiança a começar novamente nos 0%. É interessante notar que, segundo a literatura científica, a maioria dos contágios se dá entre residentes da mesma casa (aqui, aqui e aqui). Concluir que a transmissão por assintomáticos é nula ou quase nula, num contexto onde é praticamente inviável o distanciamento social e o efeito pretendido do confinamento, é muito significativo para a (in)justificação das deletérias medidas aplicadas.
Esta revisão da literatura foi desenhada sobretudo para descobrir a proporção de assintomáticos na população de positivos. Ao nível da transmissão por assintomáticos, só foram apurados cinco estudos. Um deles (Lei Luo et al. (2020)) já foi comentado. Os quatro restantes (Cheng et al. (2020), Parket al. (2020), Zanget al. (2020) e Chawet al (2020)) serão comentados mais abaixo. Todos apresentam valores de ataque secundário nulos ou residuais.
Um estudo publicado na Nature, apresenta uma amostra enorme (N = 10 milhões) e a confirmação laboratorial dos infectados. Nesse estudo, a evidência apontou para uma transmissão assintomática residual ou mesmo nula, as mesmas conclusões que chegaram outras revisões sistemáticas, como a referida anteriormente (Madewell et al. (2020)).
Alguns críticos justificam estes resultados, ao afirmar que “houve eliminação efetiva do vírus devido a medidas não farmacológicas muito rigorosas”, sem oferecer qualquer prova para o que afirmam.
Mencionam ainda que “neste caso de baixa prevalência, deveriam aparecer milhões de falsos positivos, que inevitavelmente existem quando se faz um teste PCR”. No entanto, esta crítica é demonstrativa de falta de conhecimentos estatísticos.
As observações não têm de seguir a estatística, a estatística é um sumário das observações.
A especificidade de um teste calcula-se comparando-se com um Gold Standard, não decorrentemente de um rastreio. A prevalência baixíssima faz com que os positivos, qualquer que seja o seu valor absoluto, sejam todos (ou quase todos) falsos.
O que influencia o valor absoluto é a aleatoriedade dos erros laboratoriais e de recolha, que como tal, podem ter expressão muito elevada em certas condições e muito reduzida noutras (e.g. pressão na produção massificada de testes). A China, com a sua capacidade de produção, não aparenta sofrer deste problema.
O estudo, ao seguir as recomendações da National Health Commission of the People’s Republic of China, introduziu maior rigor na testagem: resultados positivos só são aceites abaixo de 37 ciclos de amplificação, todas as amostras separadas (e as mistas, quando positivas, são re-testadas em separado) e houve confirmação de cultura viral para os assintomáticos.
Talvez o maior rigor na testagem (e não as medidas) explique a pouca expressão da pandemia na China.
O facto de 100% dos casos serem falsos positivos é mais um reforço de que os assintomáticos não importam para a transmissão.
A maioria dos estudos que investigaram a putativa transmissibilidade de assintomáticos, descobriram ataques secundários nulos ou residuais (estes podem ser explicados pelos vieses já enunciados). Alguns exemplos:
- Jiang et al. (2020): em 195 contactos, 2 ataques secundários;
- Mandic-Rajcevic et al. (2020): em 53 contactos, 1 ataque secundário;
- Zeng et al. (2020): em 753 contactos, 1 ataque secundário;
- Park et al. (2020): em 17 contactos, não descobriram qualquer ataque secundário;
- Cheng et al. (2020): em 91 contactos, não descobriram qualquer ataque secundário;
- Chaw et al. (2020): em 106 contactos, encontraram 3 ataques secundários;
- Zhang et al. (2020): em 119 contactos, 1 ataque secundário.
No que diz respeito aos pré-sintomáticos, também há vários estudos com ataques secundários nulos ou residuais. Alguns exemplos:
- Park et al. (2020): em 17 contactos, não descobriram qualquer ataque secundário
- Cheng et al. (2020): em 299 contactos, 2 ataques secundários;
- Ye et al. (2020): em 44 contactos, 4 ataques secundários;
- Pang et al. (2020): em 104 contactos, 6 ataques secundários.
A ligeira superioridade nos números de ataques secundários dos pré-sintomáticos relativamente aos assintomáticos, poderá ser explicada pela dificuldade em comunicar o início exato dos sintomas, em entrevistas epidemiológicas concedidas posteriormente.
7 – Alguns exemplos dos crescentes prejuízos (dificilmente quantificáveis) decorrentes das medidas aplicadas:
Um estudo da Universidade Nova de Lisboa refere a enorme redução de cuidados de saúde prestados, e um aumento da mortalidade que seria evitável.
O site da Transparência do Sistema Nacional de Saúde (SNS), informa-nos que em 2020 ficaram cerca de 11 milhões e meio de consultas por realizar em centros de saúde, 26 milhões de atos de diagnóstico, 126 mil cirurgias e 400 mil rastreios oncológicos. O mesmo site dá conta de uma grande diminuição da Taxa de Ocupação Hospitalar relativamente a 2019.
Um estudo descobriu um aumento de 7,8% da incidência de stress cardiomiopático em 2020, comparado com as incidências pré-pandémicas que variaram entre 1,5% e 1,8%. Ou seja, pessoas a morrer, literalmente de medo, resultante do alarmismo gerado.
No Reino Unido registou-se um aumento de suicídios e tentativas de suicídio infantis, sobretudo em crianças com necessidades educativas especiais (tal como o Autismo), que se crê ser devido às alterações nas rotinas, produzidas como medidas preventivas.
Devido às medidas adotadas, cerca de 5 mil pessoas que sofreram ataques cardíacos, em Inglaterra, não puderam dispor de auxílio médico, que seria indispensável para que pudessem ter hipótese de sobreviver.
Em Abril de 2020, foram registados em Inglaterra e País de Gales, 10 mil casos de demência a mais do que o habitualmente, em igual período dos anos anteriores. Ainda há a lamentar 83% mais mortes por demência do que é habitual. Julga-se que estes números se devam ao isolamento social e restantes medidas aplicadas. Os números foram recolhidos pelo Gabinete Nacional de Estatísticas do Reino Unido.
Já em Julho de 2020, os especialistas sugeriam que o confinamento tinha matado cerca de 21 mil pessoas em Inglaterra. A análise foi feita pelas Universidades de Sheffield e de Loughborough e pelos economistas do Economic Insight. Acrescentam ainda que as medidas de distanciamento social poderão dar continuidade a essa mortalidade.
Vários especialistas têm demonstrado a sua preocupação com o enfraquecimento do sistema imunitário das crianças devido ao distanciamento social, conforme advogado pela hipótese higiénica, naquele que é apenas um pequeno exemplo dos problemas ao nível da saúde das populações resultantes das medidas aplicadas.
Nem os animais escaparam à histeria alarmista. Na Dinamarca abateram-se 17 milhões de Martas, na Holanda e em Espanha, 1 milhão.
Em Portugal, em Outubro de 2020, era noticiado o falecimento de 7 mil pessoas em excesso não causadas pela COVID-19. Atualmente, o número é seguramente, muito superior.
Poderia continuar-se indefinidamente conquanto os exemplos são intermináveis, mas seria um exercício que fugiria ao escopo do atual artigo.
A causa efetiva da devastação é a insensatez na aplicação das medidas.
O recrudescimento da inflação observada nos dias atuais, foi também, em parte, potenciada pelas medidas. Colocou-se a impressora dos bancos centrais a trabalhar a todo o vapor, ao mesmo tempo que se congelou a economia.
Como tal, tem sido notória a tentativa de “lavar a cara”, associando todos os prejuízos humanos e não-humanos à pandemia, inclusive, recorrendo a um sobredimensionamento de diagnósticos e certificados de óbito por COVID-19, que nem assim, permite explicar o excesso de mortes registado.
O Dr. António Ferreira, Médico, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, num artigo onde analisa a frieza dos números, atribui a pressão sobre o Sistema Nacional de Saúde à impreparação, falta de planeamento e desorganização. Mas estes são dados que se tenta evitar, com a justificação de que, debate-los é colocar vidas em risco. Mas como se verificou pelas linhas acima, omiti-los tem tido piores repercussões.
8 – Conclusão
Sintomas como a tosse, espirros e corrimento nasal (isolado ou associado a espirros) parecem ser determinantes para a disseminação dos vírus respiratórios. O sistema imunitário reduz a carga viral abaixo de um limiar onde não existem sintomas; e, se não há carga viral suficiente, não pode haver contágio para terceiros.
A única forma de obter evidências científicas conclusivas acerca da transmissão de assintomáticos (ou pré-sintomáticos), seria realizar um Random Control Trial (estudo randomizado controlado) bem concebido, impossível devido a constrangimentos éticos, pelo que se recorre a estudos observacionais e de modelagem muito limitados, sendo que ainda assim, os primeiros demonstram na sua maioria, que os assintomáticos pouca ou nenhuma expressão têm na transmissão.
A posição da Epidemiologia sensivelmente, ao longo dos últimos cem anos foi a de que os assintomáticos não são transmissores de doença respiratória. As evidências científicas concluíram o mesmo relativamente ao SARS-CoV. Para contrariar o que está estabelecido, seria necessário que fossem apresentadas sólidas evidências científicas. Mas, por mais pressão que tenha sido exercida nesse sentido, não há evidências científicas para contrariar um século de evidências epidemiológicas.
A forma como se alterou um paradigma científico com décadas de existência, contrariando a evidência científica, tem tanto de surpreendente como de preocupante e constitui um sério alerta para a fragilidade do atual edifício científico, que tem vindo a ficar gradualmente mais dependente de interesses económicos.
Em Epidemiologia é essencial escrutinar qualquer tendência emergente em Saúde Pública: será real ou estará a ser causada por algum viés? Obviamente, não foi o que sucedeu com a COVID-19, onde a pressão para a conformidade com a narrativa dominante impediu qualquer tipo de contraditório.
O ambiente gerado em torno desta situação é hostil ao desenvolvimento da Ciência (sobretudo Epidemiologia) que se deseja neutra e imparcial, condição sine qua non para minimizar os potenciais vieses. Pelo contrário, as condições criadas foram propícias à sua proliferação.
O debate foi silenciado com apelos à responsabilidade, como se debater fosse gerar comportamentos irresponsáveis, denotando somente a fragilidade de uma posição que se desejou manter inquestionada.
A narrativa dominante nunca questionou as consequências das medidas não-farmacológicas, e estas têm sido amplamente ocultadas ou justificadas com outras causas. No entanto, têm e continuam a ser devastadoras.
Este artigo é um apelo ao debate, como condição essencial para uma maior consciencialização nas escolhas e responsabilidades individuais. Os debates permitem que cresçamos coletivamente, facilitando a difusão de uma informação mais autêntica e enriquecedora.
Psicólogo com formação em Epidemiologia
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