Análise do PÁGINA UM: 'este país não é para velhos'

Gestão da pandemia agravou cobertura médica hospitalar na população vulnerável

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por Pedro Almeida Vieira // Abril 26, 2024


Categoria: Exame

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Ate 2019, o crescimento do número de médicos hospitalares era evidente e compensava o aumento da população mais idosa, aquela que mais necessita de cuidados em urgência e internamento. Mas com a pandemia, entre os anos de 2020 e 2022, com a decisão política de suspender consultas e cirurgias programadas, e com o incentivo a não se usarem os hospitais a não ser para a covid-19, inverteu-se o rejuvenescimento do corpo clínico enquanto a população com mais de 65 anos continuou a aumentar. Através de novos dados, relativos a 2022, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, o PÁGINA UM analisou a evolução do corpo clínico dos hospitais e confrontou com o aumento da população mais vulnerável. Resultado: entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para cuidar de um país que viu a população idosa aumentar 20,1%, isto é, mais 416 mil pessoas. A região Centro teve a pior evolução, e o Alentejo apresentou uma melhoria significativa, mas continua a ser a parte do país onde os idosos dispõem de menos médicos hospitalares.


A estratégia governamental durante a pandemia de incidir as prioridades na covid-19, desinvestindo em todos os outros sectores da Saúde Público, tem mostrado agora efeitos desastrosos. Os dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, durante o triénio da pandemia (2020-2022) houve reduções significativas na ‘procura hospitalar’– leia-se, dias de internamentos por todas as causas, no decurso da decisão de suspender cirurgias programadas –, pelo que se inverteu o crescimento do número de médicos hospitalares e se agravou assim a prestação de cuidados de saúde à população potencialmente vulnerável.

De acordo com os mais recentes dados do INE, divulgados ontem no site desta entidade, apesar de um ligeiro crescimento do número de médicos nos hospitalares entre 2021 e 2022 (passando de 24.648 para 25.163), ainda se está aquém dos valores contabilizados no ano imediatamente anterior à pandemia. Em 2019 estavam contabilizados 25.783 médicos hospitalares em todo o país. Apesar deste número já ser ligeiramente inferior ao de 2018 (26.901 médicos), mantinha-se uma tendência de crescimento desde 2013. No período de 2013 e 2019, o crescimento nacional até tinha sido relevante: 17,7%, atingindo os 37,9% no Algarve (681 para 939), os 21,5% na Madeira (409 pata 497), os 20,3% na região Centro (4.256 para 5.119) e os 19,6% na região Norte (7.871 para 9.412). Nenhuma região registou qualquer decréscimo, embora no Alentejo o crescimento tivesse sido ténue (3,7%).

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Com a chegada da pandemia, inverteu-se por completo a tendência. A menor procura hospitalar – em função da suspensão de cirurgias e de consultas, bem como do activo incentivo das autoridades de Saúde para que não se fosse às unidades de saúde excepto por covid-19 – implicou um menor grau substituição dos médicos que se foram reformando.

Assim, entre 2019 e 2022, apanhando o triénio da pandemia, o saldo foi de perda de 630 médicos hospitalares a nível nacional, um decréscimo relativo de 2,4%, apresar de crescimentos na Madeira (14,9%, com mais 74 médicos), nos Açores (14,4%, com mais 64 médicos), no Alentejo (11,2%, com mais 101 médicos) e no Algarve (5,5%, com mais 52 médicos). A região Centro foi, na verdade, a principal responsável pelo decréscimo verificado neste triénio, perdendo 620 médicos (12,1%). A Área Metropolitana de Lisboa perdeu 150 (-1,8%) e a região Norte 151 (-1,6%).

Mesmo nas regiões que registaram ligeiros aumentos na pandemia, a evolução do quadro clínico hospitalar desde 2013 não conseguiu acompanhar, bem pelo contrário, o aumento da população potencialmente mais vulnerável, isto é, dos mais idosos. Com efeito, o envelhecimento populacional – que, numa perspectiva favorável significa que há cada vez mais pessoas a alcançarem e a superarem a idade da reforma – tem estado em crescimento significativo, mesmo com o impacte da covid-19 e da gestão da pandemia. Por exemplo, considerando os números apontados pelo INE, entre 2019 e 2022 a população com mais de 80 anos aumentou 4,2% (mais 29.405 pessoas), enquanto no grupo etário dos 65 aos 79 anos registou-se um crescimento bem superior: 7,9%, que resultou de mais 128.229 pessoas neste intervalo de idade.

Evolução por região do número de médicos hospitalares e da população com mais de 65 anos entre 2013 e 2022. Fonte: INE.

Caso se confronte, no período entre 2013 e 2022, a evolução da população com mais de 65 anos com a evolução do corpo clínico hospitalar, constata-se um evidente agravamento causado pelos anos de gestão pandémica. Se entre 2013 e 2019 o aumento relativo de médicos hospitalares (+17,7%) superava o crescimento relativo da população idosa (+12,5%), sendo assim um sinal bastante positivo, os anos subsequentes (2020, 2021 e 2022) inverteram completamente essa tendência. Assim, de acordo com os dados do INE, entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para, em certa medida, cuidar de um país que viu a população com mais de 65 anos aumentar 20,1%, tendo passado de 2,07 milhões de pessoas para cerca de 2,48 milhões, isto é, mais 416 mil idosos.

Analisando em detalhe, por região, somente o Alentejo, o Algarve e a Madeira registaram um aumento dos médicos hospitalares superior ao aumento da população idosa. No Alentejo, os médicos nas unidades hospitalares cresceram 15,3% no período de 2013-2022, com a população idosa a aumentar apenas 3,1%, enquanto no Algarve esses aumentos relativos foram, respectivamente, de 45,5% e 26,1%, e na Madeira foram de 39,6% e 27,9%. Convém, contudo, salientar que o Alentejo continua a ser a pior região em termos de rácio de cobertura médica hospitalar: em 2013 havia somente 476 médicos por 100 mil idosos (44,9% da média nacional), e em 2022 subiu para 523 (51,6% da média nacional).

A região Centro foi aquela onde se observa um maior agravamento da cobertura hospitalar face à população idosa, uma vez que o aumento do número de médicos entre 2013 e 2022 foi de apenas 5,7%, o que confronta com um aumento dos maiores de 65 anos de 16,6%. Nesta região, a população idosa cresceu quase 88 mil pessoas, enquanto os médicos aumentaram apenas em 243. Significa isso que o rácio de cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente mais vulnerável (mais de 65 anos) se agravou significativamente: em 2013 era de 808 médicos por 100 mil idosos (76,2% da média nacional), e em 2022 cifrava-se em 732 por 100 mil idosos (72,3% da média nacional).

Evolução da cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente vulnerável (número por 100 mil idosos). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

Nas duas regiões mais populosas – Área Metropolitana de Lisboa e Norte –, o agravamento da cobertura médica hospitalar é inferior, mas também evidente. No caso da região que engloba a capital, o rácio em 2022 situava-se em 1.310 médicos por 100 mil idosos, ligeiramente abaixo dos 1.360 registados em 2013, mas bastante abaixo dos 1.596 por 100 mil idosos em 2018, o que demonstra a fraca aposta em dotar os hospitais com uma realidade previsível: incremento da população potencialmente mais vulnerável. Na Área Metropolitana de Lisboa havia em 2022 mais 91 mil pessoas idosas do que em 2013 (+16,8%), mas somente mais 924 médicos.

No caso da região Norte, o crescimento de 1.389 médicos (+17,6%) entre 2013 e 2022 fica aquém do necessário para um incremento da população idosa, nesse período, de 28,6%, devido a um aumento de 186 mil pessoas na faixa etária acima dos 65 anos. Por isso, o rácio de cobertura hospitalar passou de 1.208 por 100 mil idosos em 2013 para 1.105 em 2022.


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